quarta-feira, outubro 26, 2005

Em contra-mão (ciclo de cinema)

Começa este sábado, 29, o ciclo que o programador de cinema Ricardo Matos Cabo preparou para o Museu de Arte Contemporânea de Serralves, no âmbito do programa Em Contra-mão, que "que indica um caminho contrário, ou se quisermos uma inversão deliberada com os riscos que dela dependem. A heterogeneidade dos trabalhos apresentados, sejam na área da performance, da música ou do cinema / vídeo, mantém em comum a ideia de possibilitar uma manifestação concreta de um lugar de denúncia, reflexão mas sobretudo um lugar de acção. Longe de procurar uma leitura literalizante procura localizar alguns desses lugares assumindo sobretudo a inquietude e alcance de que muitos dos seus autores são e foram capazes com os seus trabalhos" (in programa).

A programação de cinema começa com "três auto-retratos que partem do trabalho histórico, político e poético sobre as imagens do século: a nova montagem de Jean-Luc Godard das suas Histoire(s) du Cinéma, a compilação monumental de imagens , Star Spangled to Death, de Ken Jacobs, e duas reflexões de Daniel Eisenberg, Displaced Person e Cooperation of Parts, sobre a identidade entre a história e a manipulação formal" (in notas de imprensa).

Para os programadores Cristina Grande e Pedro Rocha, o que importa "é a noção de escala e de ponto de vista - a ideia quase sempre manifesta, de que o discurso político, quando apresentado como forma divergente, de denúncia, surge para ocupar um espaço, medida a distância que vai do vivido e sentido (mesmo que num olhar sobre o outro) ao representado. Esse espaço, que podemos chamar de sub-representado, é lugar de manifestações discursivas e performativas que concretizam olhares originais e concretos sobre as realidades vividas que são também pontos privilegiados de partida, de reflexão e posicionamento do olhar" (in programa).

Programação deste fim de semana

Sábado, 29 Outubro


Estes Moments Choisis oferecem-se como uma elegia de figuras femininas, como outras tantas incarnações do anjo da história caro a Walter Benjamin. A divindade escapou-se do mundo, o horror e o seu espectáculo substituiram-se-lhe, mas a este constatar de negligência e deploração , Godard opõe em permanência a bondade destes rostos e as trocas dos seus olhares. A montagem, através de intermitências, sobre-impressões e fundidos, faz com que Elizabeth Taylor surja abraçada por uma Virgem de Giotto, encontrando um lugar ao sol ao pé dos Campos. E o que é mais espantoso aqui, bem mais do que nas Histoire(s) du Cinéma, em que os ruídos do furor do século ameaçavam constantemente ofuscar estas figuras angélicas, é a constante invenção plástica de aparições que resistem ao desastre do século. (…) A estética da redenção, intensificada nestes Moments Choisis não vira as costas ao desastre, mas tem como única certeza a de que o poder da imagem não reside na ilusão mas na revelação.
E. de Lastens

21h30m
Star Spangled to Death (primeira parte) de Ken Jacobs, 1957-2003, 200’ [2ª parte, dia 30, às 21h30]

Um filme imenso, documento mítico da vanguarda cinematográfica norte-americana, obra em aberto, remontada, acrescentada, alterada ao longo de meio século e que retoma as duas dimensões da obra de Ken Jacobs – a utilização do found-footage, de imagens pré-existentes, aqui apresentadas em blocos, muitas vezes sem intervenção e na sua duração integral (correspondendo à ideia de Jacobs do que significa restituir a experiência das imagens do passado) e o registo documental e semi-ficcional de uma performance, uma alegoria sobre o poder e a libertação, com imagens de Jack Smith e Jerry Sims nas ruas de Nova Iorque nos anos 50.

A concretização de Star Spangled to Death num vídeo de seis horas conclui o trabalho iniciado por Ken Jacobs há quase meio século. Nesta versão final que segue de perto os planos originais para o filme, longas passagens de filmes de informação pública, cartoons, documentários e musicais (muitas vezes mostrados na sua duração natural) cruzam-se e entram em tensão com filmagens do próprio realizador rodadas nos anos 50 em Nova Iorque e que testemunham o nascimento de um novo cinema: livre e espontâneo, absurdo mas real, excitante mas com significado. Esses eram outros tempos, e os intérpretes, jovens e inocentes (muitos estão já mortos). Mas mudem-se alguns nomes e rostos e o assunto torna-se bastante presente. Abordando a política, a guerra, a raça, a religião e a ciência, não é uma curiosidade ou uma peça de época, mas um comentário permanente no país que o tornou possível. Uma acusação, ou pelo menos uma parábola dos Estados Unidos no mundo moderno: a juggernaut careening to certain destruction. O incrível discurso de Richard Nixon em 1952 surge com um documentário sobre as respostas emocionais de macacos de laboratório privados das mães, filmes rotineiros de canto e dança e dramas educacionais para jovens adultos afro-americanos. Star Spangled to Death é um filme de Sàbado de manhã, a sua duração “uma tentativa preversa para atingir o intolerável”. Vai fazê-lo chorar e rir. “Estão-se a divertir?”

Domingo, 30 de Outubro

18h30
Displaced Person de Daniel Eisenberg, 1980-81, 11’
Eisenberg recombina material de rodagem, refotografado, levemente brilhante, imagens da ocupação francesa durante a II Guerra Mundial – mulheres com lenços, Hitler na Torre Eiffel – com uma colagem sonora de uma conferência radiofónica de Claude Levi-Strauss com o Opus 59 para cordas de Beethoven. Levi-Strauss fala da sua necessidade obssessiva em perceber as relações entre a Natureza e a Cultura, o trânsito dos significados de um sistema de signos para outro e o mistério da forma e a repetição que lhe é intrínseco. E esta peça incrível de Beethoven continua a tocar e recorda-nos de como costumava acariciar o peito de muitos SS ao deitar; e estas imagens, sedutoras e horripilantes, combinadas e recombinadas, repetidas em vários contextos: gestos congelados, cortados a meio. Dois rapazes numa bicicleta – um move o seu braço no que poderia ser um mero aceno ou o signo secreto do “eterno regresso”. O desejo de precipitar significados desliza para o impensável e o indizível.

Cooperation of Parts de Daniel Eisenberg, 1983-87, 40’
Em Cooperation of Parts o método de coligir e combinar os materiais torna menos claras as distinções entre o pessoal e o formal. Estas construções críticas e artificiais raramente desempenham um papel activo na construção do trabalho – habitualmente estamos envolvidos demais para nos apercebermos qual é qual. Mas neste filme, identidade, história e manipulação formal de material encontram uma espécie de equilíbrio em que opções formais ecoam as escolhas pessoais.

“Aqui está a primeira imagem que consegui obter… É uma imagem de uma mulher jovem a despedir-se numa estação de combóios na Alemanha. Não há uma plataforma ao pé do combóio. Grupos de pessoas reúnem-se junto às portas. Outras caminham no espaço junto ao combóio. O sol está a pique, devem ser uma ou duas da tarde. Ela usa óculos escuros. O cabelo é longo e apanhado atrás. O vestido é de Verão com flores. Está a abraçar outra mulher com as costas viradas para a câmara. Um homem alto de cabelo curto encaracolado está perto delas, à esquerda, a observar as duas mulheres enquanto se abraçam. Sabemos que as suas amigas conseguiriam chegar aos Estados Unidos em 1948. Ela estava a tentar convencer o seu próprio marido a emigrar igualmente para os Estados Unidos. Irão sempre discordar sobre o local de destino ou sobre o momento certo para partir. Mais tarde dir-se-á que o momento a seguir à Guerra foi um momento especial. Toda a gente se sentiu segura…e o futuro, apesar de preenchido com memórias do passado, era apenas uma das possibilidades.” D. Eisenberg

A próxima sessão do ciclo decorrerá a 05 de Novembro. Na altura dar-se-á conta da programação. O Melhor Anjo irá divulgar a iniciativa, prevendo, para Dezembro, a publicação de uma conversa com Ricardo Matos Cabo. Mais informações em www.serralves.pt .

informações enviadas por e-mail, e da responsabilidade dos autores, excepto selecção das fotografias e links.

2 comentários:

Anónimo disse...

Isso da conversa não sei, não sou grande conversador. Obrigado pela referência ao programa e por teres feito um link à magnífica entrevista do Ken Jacobs.

rmc

Anónimo disse...

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