quinta-feira, setembro 08, 2005

O corpo circular


Este blog faz hoje dois anos.

E a verdade é que tomou caminhos que nem eu previra. Bem sei que este tipo de frases feitas ficam sempre bem nestas circunstâncias. Mas a verdade é que estava longe de imaginar que, pelo blog, iria moldar a minha vida. Com o tempo O Melhor Anjo deixou de ser espaço para observações sobre o quotidiano, para se tornar espaço de reflexão, ponte para outros espaços, ponto para novas descobertas. Eu não leio os ensaios que falam da importância dos blogs, nem acredito em correntes solidárias de mudança. Muito menos penso que um epifenómeno possa substituir séculos de tradição editada em suporte palpável. Mas a verdade é que, passados 2 anos, O Melhor Anjo existe. Às vezes para lá de mim.

Quando o iniciei nem sequer imaginava que um dia estaria a escrever as coisas que hoje escrevo. Morava numa casa onde chovia, a prazo e de frigorífico vazio. Isto parece a história da coxinha, é bem verdade. Mas dois anos dá para muita coisa. Deu para várias casas, para várias relações, para vários posts, para vários contactos, para várias ideias, projectos, intenções, projecções, jogos de palavras, fantasias, ironias...

A verdade é que passado este tempo sou, por vezes, acusado de ter desaparecido do blog. De o ter especializado. Até de ter morto O Melhor Anjo para passar a ter uma webpage chamada O Corpo Circular. Têem todos razão. O Melhor Anjo provavelmente morreu no dia em que eu percebi que saía do meu computador e era comentado por outras pessoas. E, sobretudo, que o número de leitores aumentava a cada dia que passava. E isso assusta. Porque isso alimenta o monstro. E o monstro precisa de amigos. E O Melhor Anjo nem sempre é meu amigo.

Com o passar do tempo o caminho deste blog foi-se fazendo meio às apalpadelas, sem pedir licença e, sobretudo, levando-se pouco a sério. A firmeza dos textos e a fixidez dos argumentos postados contrasta com as inseguranças do dia-a-dia. Que o digam os meus amigos e colegas MSNeiros que aguentam revisões de textos, às vezes até altas horas da madrugada. São eles os primeiros leitores deste blog, ainda ele está nas 'rotativas'. E, justiça seja feita, já aguentaram muita coisa.

O facto de eu ter muito orgulho no meu blog não se prende tanto com o número de leitores que têm. É residual quando comparado, por exemplo, com outros que são só sobre o quotidiano. O orgulho que está presente na minha relação com este blog prende-se com o modo como subrepticiamente me foi conduzindo para um universo de reflexão, pensamento e procura que desconhecia. E o modo como eu me fui explorando para, a cada dia que passava, pudesse falar com quem me lia anonimamente. E, como já disse, um dia a coisa ultrapassou-me. Um dia percebi que aquilo em que estava a transformar o blog já não era a razão de ser da sua criação. Já era um veículo para pensar alto. E fui fundamentando o discurso. Aperfeiçoando-o. Para ser ilustrativo, direi: fiz como o Miguel-Ângelo. Tirei o David da pedra.

Hoje este blog, que nunca foi sobre a minha vida, têm pouco de mim. Muito pouco mesmo. E aquilo que tem parece tão descontextualizado que, se não fosse o facto de cair em graça, corria o risco de descredibilizar por completo o trabalho que nele faço. Não se julgue que comecei a escrever análises de espectáculos no blog por falta de espaço noutros sítios. Eu nem sequer tinha essa intenção. A verdade, por mais ridícula que possa ser é esta: eu nem sabia que um dia acabaria por escrever de forma tão regular, sistemática, complexa e por vezes hermética, as análises de espectáculos que credibilizaram a existência deste blog.

Mas se o tempo fez com que este blog durasse dois anos, é também tempo para o repensar. Que fazer com ele?

Se é verdade que este blog pôde, e assumindo todas as presunções, contribuir para uma relação mais próxima entre universos virtuais e performáticos e, provavelmente, permitir que se observassem espectáculos de outra forma, também nunca se quis fazer jurisprudência, legitimar o que quer que fosse, servir para depósito de raivas, vinganças, traições e ódios. O Melhor Anjo, se se tornou num espaço de análise e reflexão sobre artes performativas foi-o por quase-natural imposição. É essa a minha área de formação. É isso que faço. Escrever sobre ela não era uma ambição. Foi algo que aconteceu. E dura o tempo que durar.

Mas a reflexão... Pois. Este blog não vai durar muito mais tempo assim. O formato já não se aguenta, o espaço é reduzido, eu preciso de mais feedback, sobretudo para não tornar falhas em vícios. E, sobretudo, para me preservar. A sobre-exposição, mesmo que não declarada, incomoda. E eu prefiro incomodar-me primeiro a ter que enfrentar silêncios tácitos, concordâncias superficiais, sorrisos amarelos, desculpas esfarrapadas, falsos elogios, cumprimentos ambíguos, desculpas de mau pagador e, sobretudo, ser importunado por algo onde sou eu que mando. E, no limite, O Melhor Anjo é como se fosse parte da minha casa. Têm é paredes de vidro. Como todas as casas que o lêem.

Isto tudo para dizer que estou cansado. De prazer, mas cansado. Cansado de escrever, cansado de não ter feedback efectivo, cansado de por vezes achar que estou perdido e afinal há um telefonema que me diz que não, um e-mail atento, um comentário certeiro, uma conversa comentada por terceiros. Estou cansado porque O Melhor Anjo se tornou um vício, uma neura, um animal de muito alimento que vive ao dobro da minha velocidade. E se eu tenho a capacidade de dizer disparates todos os dias, escrevê-los é bem diferente. Porque a dada altura já não podemos fazer tudo. A dada altura há quem olhe para ver como estamos. E esses olhares já não são só de leitores anónimos.

A pergunta que se coloca é: porque me deveria preocupar com isso se eu é que tenho o poder do delete?

O Melhor Anjo não vai continuar por muito mais tempo. Pelo menos não assim. É preciso saltar para outros lados, voar outros vôos. Também porque quem se habituou a ler este blog (ou a mim) está à espera de mais. E por muito que eu diga que um blog é sempre uma página pessoal, há páginas mais pessoais que nós.

E, por isso, em jeito de reflexão de aniversário, e numa altura em que o trabalho se acumula, o tempo escasseia, e os olhos pesam... O Melhor Anjo faz dois anos. Devem-no a mim. Eu devo-o a mim. Mas devo-o também a quem o lê. E a quem eu não sei que o lê. Porque não faço coisas para a gaveta e assumo o pendor narcísico do que escrevo, O Melhor Anjo existe, porque existe quem o leia. E eu também. Melhor, dois anos depois de ter começado a querer ser O Melhor Anjo.

Dia o8 foi o dia em que fiz o blog. Dia 09 o dia do 1º post. Esta é a data oficial de abertura d'O Melhor Anjo.

16 comentários:

Dinamene disse...

E agora, Tiago?
Eu que aqui cheguei há pouco... percebo-o perfeitamente, é realmente assim, o bicho começa a pensar-nos, mas isto é importante, neste ou noutro formato.
P
A
R
A
B
É
N
S

M de M disse...

P A R A B É N S
ao meu melhor anjo...
Espero que os dois se multipliquem por muitos mais, e que tenhas na vida e da vida tudo aquilo que mereçes ( e deixa que te diga que são só coisas boas!)

1 grande beijo desta tua leitora e amiga. Madallucci.

André disse...

Bem, fiquei cansado de te ler.
ehehehehe
só para dizer: PARABÉNS!

UniversitYliopisto disse...

parece o discurso preparado para a entrega do globo de ouro para melhor blog do ano...

parabéns!

(eu tb estou quase a fazer um ano...)

em relação às dúvidas existenciais, falamos sobre elas no próximo encontro...

até já!

joana disse...

keep it going! parabéns ao melhor anjo!

aL disse...

parabéns tiago!
só para que saibas, li o texto todo, vê lá tu!

Anónimo disse...

Os melhores parabéns ao Anjo, Tiago. Que continues sempre, aqui e em outros espaços. És a bênção do serviço público. Grande abraço

Anónimo disse...

A tua relação mais duradoura.

Duarte disse...

Parabéns, Tiago!

Aqui ou noutro lugar, boas continuações.

Anónimo disse...

Digo-te honestamente que juntamente com a hipatia do voz em fuga és o meu blogger preferido.
É verdade que agora quase nem tenho tempo para me dedicar aos enresinados, e muito menos para comentar outros blogs, mas passo sempre por aqui todas as noites e é com enorme prazer que te leio diáriamente.

Concordo contigo quando reclamas por mais feedback, mas também acho e até já te tive oportunidade de te dizer, que o blogspot dá pouca visibilidade, por isso há uns meses valentes dei-te o meu incentivo para te mudares para o weblog, aí não tenho dúvidas que terias muito mais feedback e ainda mais visitas.

Bom, para concluir e para além de te dar os meus parabéns, gostaria de te pedir para continuares entre nós por muito mais tempo. É como já te disse: é um enorme prazer ler-te!

Grande abraço
cachucho

PS: Estou de saída, mas mais logo já te dou os parabéns oficias lá nos enresinados:)

Anónimo disse...

Olha, O Corpo Circular...

JacPac disse...

PARA... BÉNS !!!

para lá de bagdade disse...

agora "só" há que continuar...

Anónimo disse...

amigo
esta página deu um piparote na tua vida, e deu outro na minha:
esta página incentivou-me a escrever textos críticos e agora até os juntaste num saquinho,
esta página levou-me a abrir um blog para a Vigilâmbulo Caolho
e, sobretudo, estreitou uma relação pessoal e intelectual contigo, ó pá, dos poucos que me aguenta a falar com palavras acabadas em "ismo", "ente" ou "dade" (tal como sismo, pente ou idade).
Duas coroas no meu tempo de leitor/ espectador/ camarada: a inauguração dos Jardins Suspensos de Sete Rios e essa pérola de invenção conceptual que é neo-distante
P A R A B É N S !

Anónimo disse...

com a devida vénia e indevido atraso, muitos parabéns pela perseverança. A barca força a nota e segue. Ainda que o leme não seja certo. Avança homem.

Anónimo disse...

Caro Tiago,

Parabéns pela preseverança e pela generosidade. Nota que o silêncio é uma forma muito portuguesa (embora pouco gratificante) de admiração. O teu blog é hoje uma versão muito singular de trânsito crítico no nosso universo do espectáculo. Como O Melhor Anjo não tem substituto, o fim seria pouco menos que diabólico. Encore un éffort...

Um abraço,