Análise à proposta da Compañia Nacional de Danza
40º Festival de Sintra
08 de Julho 2005
21h30
Centro Cultural Olga Cadaval
Sala cheia
O programa que a Compañia Nacional de Danza (CND) trouxe ao 40ºFestival de Sintra permite abrir portas para a apreensão do trabalho da estrutura espanhola, dirigida pelo coreógrafo Nacho Duato desde 1990. O trabalho de Duato na CND obrigou a um pensar do lugar de uma companhia nacional, promovendo um encontro entre linhas (e obrigações) históricas e realidades contemporâneas. Nesse sentido, a imagem da CND foi sendo construída através de propostas cuja componente plástica funcionaria como plataforma para um projecto, que com o tempo se autonomizou das tradicionais estruturas de repertório para, junto de um público diversificado, granjear as mais entusiastas recepções.
Não será, por isso, descabido, pensar que as três peças (Arcangelo, 2000, Por vos muero, 1996, Diecisiete, 2005) possam representar esse compromisso entre o que se sabe ser o rigor, virtuosismo e técnica dos bailarinos de repertório (mesmo contemporâneo) com linguagens performáticas que pensem o lugar dos objectos artísticos no contexto criativo, no caso, internacional. Sobretudo um pensar que seja ausente de leituras superficiais sobre a manipulação do corpo e do espaço.
Será certamente uma proposta consciente do público a que se dirige, sobretudo um que vê no Festival de Sintra a perpetuação de modelos clássicos e tem da dança uma ideia de integridade, coerência e equilíbrio que não reconhece em propostas contemporâneas. Assim, o programa da CND serve como passagem entre uma tradição performática que recupera a estrutura clássica e consciência canónica de desfragmentações, ocupação de espaço e trabalho dramatúrgico, e a convocação de outras práticas artísticas, nomeadamente a recusa da linearidade, a dimensão teatral e uma forte componente visual, feita já não só dos corpos dos bailarinos.
Este percurso (e esta função) não é nova nem original, são inúmeros os exemplos independentes, mas é certamente mais difícil em estruturas oficiais. Por isso, há que reconhecer em Nacho Duato uma manipulação dos códigos em nome desse compromisso que pode ser fatal quando pensado num contexto mais abrangente, nomeadamente quando posto em confronto com outras propostas, certamente já integradas na hibridez performática que o contexto actual da dança contemporânea parece sugerir.
Ao apostar na apresentação de três peças, a CND traça não só um arco performativo do seu percurso, como sugere linhas que mais do que darem conta do que são as valias da companhia, perpetua imagens formais, que numa lógica não contextualizada pode condicionar a recepção. Por isso, para uma ideia de conjunto fica um trabalho alicerçado numa forte presença (por vezes opressiva) da banda sonora, um esquema coreográfico sequencial, feito a partir de duetos ou divisões de género e uma aposta na narrativa linear em nome de uma compreensão e integração dos movimentos contemporâneos em fórmulas clássicas e estanques.
Em Arcangelo (2000, já apresentada em Lisboa em Setembro 2001), por exemplo, há uma leveza e organicidade assinalada no corpo dos bailarinos, que promove um jogo quase lúdico em que o desenho dos movimentos provoca não só o alongar do corpo dos intérpretes, como auxilia a construção de um todo poético e romântico. O que pode ser visto como um jogo pré-sexual não é mais que uma qualquer dança de reconhecimento da cumplicidade e intimidade dos pares. Feita de um espaço limpo em tons dourados e negros, o chão apresenta três pequenas elevações onde, a espaços, os corpos se encontram. Por vezes a peça sugere uma paisagem coreográfica hipnótica, até pelo modo como é criada uma barreira de distância entre quem faz e observa.
Mas o modo como se desenvolve, potenciada pela excessiva colagem à banda sonora feita de excertos dos concertos de Arcangelo Corelli, parece recusar uma respiração do corpo do intérprete. Aqui, o corpo é espaço para um desenho de intenções que mais que emocionar, denuncia um controlo e manietação, que no entanto funciona como uma vantagem para as eventuais falhas humanas dos intérpretes. O domínio sobre a coreografia evidencia um rigor e exactidão performática irrepreensível. No final, o impacto visual toma contornos opressivos sobre a estrutura monocórdica da peça num enorme pano que eleva um par enamorado. Mas no espectador é deixada a sensação de fragilidade e pouca desenvoltura dramatúrgica, em nome de uma coreografia escorreita.
Em Por vos muero (1996), promove-se uma narrativa e linearidade que constrange a potencial dimensão onírica da proposta. Apostada num equilíbrio entre a música espanhola dos séculos XV e XVI, e os versos de Garcilaso de Vega (ditos por um sempre erótico Miguel Bosé), esta é uma peça na qual as intrigas e desencontros de corte são estilizados em diálogos coreográficos amplamente ilustrativos. Numa coreografia eminentemente feminina, é ao conjunto de bailarinas que cabe o momento mais relevante, quando numa mistura entre sonho e realidade, dançam com máscaras, pretensamente de entes queridos. E se o cenário (feito de portas comunicantes), os figurinos e até a utilização de incenso parecem procurar a criação de uma atmosfera medieval, a frágil coreografia confunde virtuosismo com diálogos sequenciais feitos em resposta à música. Trata-se de um exercício de estilo nitidamente datado, ao qual nem sequer resiste a técnica dos intérpretes. Novamente se sente uma tentativa de conciliação entre duas linguagens performáticas diferentes, sem a promoção de uma nova forma de pensar o corpo no espaço e no contexto.
Já em Diecisiete (2005), Nacho Duato apresenta um trabalho onde a componente plástica serve a coreografia e o movimento, surgindo amplificado por uma dimensão teatral que responde à tentativa de construção de uma dramaturgia fragmentada e em aberto. Partindo da ideia de exploração de imagens provocadas pelos haikus [dezassete é o número de sílabas de um haiku], desenvolve-se uma coreografia assente num trabalho de sonoplastia que, mais do que castrar os corpos, como nas peças anteriores, potencia os movimentos, abrindo pistas para a sua interpretação.
Sendo radicalmente oposta às anteriores, apresenta-se uma estrutura performática que contextualiza os movimentos numa hibridez cénica, à qual não é alheia a profusão de adereços, elementos sonoros (gravilha, carros, chuva...) e multiplicação de planos de acção. Os corpos masculinos e femininos cruzam-se para uma coreografia árida e resistente, nitidamente marcada por uma relação de equilíbrio entre o mundano e o primitivismo. Esses mesmos corpos parecem ignorar diferenças sexuais, caminhando para um grotesco oscilante entre máquina e animal. Em Diecisiete é convocado todo um mundo burocrático e violentamente estéril, no qual a amálgama de corpos é impotente face radicalização de discursos.
Fortemente relacionada com o oriente, e uma ideia de exploração individual que é sugerida pelos haikus, esta é uma peça na qual se concentram outras formas de pensar e fazer a dança contemporânea. Sobretudo uma que estáapostada em se confundir com o próprio contexto e imaginário criativo em que se insere. Ainda assim, Nacho Duato não resiste a uma finalização, contrariando o que de etéreo têm os haikus. A recriação em palco do que antes havia sido apresentado em maquete, denuncia uma necessidade de ilustração em detrimento de uma coreografia que se queria aberta e ambígua.
Porque é a própria companhia a forçá-lo, é inerente a comparação entre as propostas na busca de uma evolução. Razão pela qual, do conjunto se destaca a última peça, Diecisiete, uma vez que sendo a mais recente apresentada neste programa (a companhia estreou novo programa em Abril deste ano), promove essa relação entre performatividade e narrativa, dramaturgia e coreografia, instalação no espaço e distensão dos limites interpretativos dos bailarinos.
As três peças trazidas pela CND evidenciam uma natural capacidade de criação semiótica, mesmo que, por vezes, se escusem a uma radicalização estrutural. Nesse sentido, o programa obriga ao estabelecimento de linhas que não dando conta da dimensão imaginária da companhia, apontam para sedimentação de gostos, formas e conceitos. Moldada à imagem de Nacho Duato será natural vermos na CND determinados traços que sejam identificativos do criador, e cerquem a companhia. Nesse sentido, importa também pensar no lugar que ocupa enquanto companhia oficial. Sobretudo no que isso representa de imposição de modelos coreográficos para um público que não reconhece na dança margem para a instalação do corpo no espaço sem uma narrativa e uma emoção transbordantes e imediatas.
Mas é importante considerar que uma apresentação fora do contexto nacional, no caso Espanha, peca, quase sempre, por uma amostragem vintage do trabalho da companhia. E reflectir sobre a imagem que a companhia quer passar para o público português. E aí, conscientes do público para o qual trabalham, estrutura e direcção artística do evento devem encontrar uma plataforma que, mesmo de equilíbrio, obrigue a um pensar (e evoluir) desse evento. Se, como se sabe, a aposta em Vasco Wellenkamp para a direcção da programação de dança do Festival de Sintra quer significar uma renovação de linguagem, sabe-se também que correm contra si 38 anos de programação clássica. O que obriga a uma definição.
Não havendo lugar para a reunião de propostas canónicas com as condições como as que o Festival de Sintra apresenta, porquê procurar a combinação clássica/contemporânea, correndo o risco de não só afastar o público habituado mas também de provocar no público de outras linguagens (ou o de um pensar da dança integrado no tecido criativo contemporâneo) uma recusa de modelos pouco definidos? Porque não assumir em Sintra a reunião das mais equilibradas, inovadoras e estruturadas propostas clássicas, no que isso possa significar de bagagem para a compreensão do que é a descontrução performática praticada num conjunto de estruturas mais ou menos oficiais e independentes. Ou, por outro lado, assumir em Sintra o encontro de companhias que se justifiquem pelo modo como combinam linguagens clássicas através de modelos e formas radicados em estruturas coreográficas contemporâneas. Mas, sobretudo, seja uma ou outra a opção, promover a apresentação de propostas que mais do que forçarem um equilíbrio em detrimento de uma definição, promovam uma formação e evolução de gostos, público, projectos e companhias.
O programa da CND, mais que a perpetuação de um modelo (seja da própria companhia ou deste novo formato do Festival) obriga a uma profunda reflexão. Porque se nestes anos de transição, dois públicos aceitam a convivência, dificilmente se sustentarão quando for obrigatória a definição de uma linha programática.
Outros espectáculos do 40º Festival de Sintra analisados neste blog:
Ballet du Grand Thèâtre de Genève (10 de Julho 2005)
Outros espectáculos do 40º Festival de Sintra analisados fora deste blog:
Scottish Dance Theatre (proposta de Rui Horta, MUTE) - jornal PÚBLICO, 17 Julho 2005
Toda a programação pode ser consultada aqui.
40º Festival de Sintra
08 de Julho 2005
21h30
Centro Cultural Olga Cadaval
Sala cheia
O programa que a Compañia Nacional de Danza (CND) trouxe ao 40ºFestival de Sintra permite abrir portas para a apreensão do trabalho da estrutura espanhola, dirigida pelo coreógrafo Nacho Duato desde 1990. O trabalho de Duato na CND obrigou a um pensar do lugar de uma companhia nacional, promovendo um encontro entre linhas (e obrigações) históricas e realidades contemporâneas. Nesse sentido, a imagem da CND foi sendo construída através de propostas cuja componente plástica funcionaria como plataforma para um projecto, que com o tempo se autonomizou das tradicionais estruturas de repertório para, junto de um público diversificado, granjear as mais entusiastas recepções.
Não será, por isso, descabido, pensar que as três peças (Arcangelo, 2000, Por vos muero, 1996, Diecisiete, 2005) possam representar esse compromisso entre o que se sabe ser o rigor, virtuosismo e técnica dos bailarinos de repertório (mesmo contemporâneo) com linguagens performáticas que pensem o lugar dos objectos artísticos no contexto criativo, no caso, internacional. Sobretudo um pensar que seja ausente de leituras superficiais sobre a manipulação do corpo e do espaço.
Será certamente uma proposta consciente do público a que se dirige, sobretudo um que vê no Festival de Sintra a perpetuação de modelos clássicos e tem da dança uma ideia de integridade, coerência e equilíbrio que não reconhece em propostas contemporâneas. Assim, o programa da CND serve como passagem entre uma tradição performática que recupera a estrutura clássica e consciência canónica de desfragmentações, ocupação de espaço e trabalho dramatúrgico, e a convocação de outras práticas artísticas, nomeadamente a recusa da linearidade, a dimensão teatral e uma forte componente visual, feita já não só dos corpos dos bailarinos.
Este percurso (e esta função) não é nova nem original, são inúmeros os exemplos independentes, mas é certamente mais difícil em estruturas oficiais. Por isso, há que reconhecer em Nacho Duato uma manipulação dos códigos em nome desse compromisso que pode ser fatal quando pensado num contexto mais abrangente, nomeadamente quando posto em confronto com outras propostas, certamente já integradas na hibridez performática que o contexto actual da dança contemporânea parece sugerir.
Ao apostar na apresentação de três peças, a CND traça não só um arco performativo do seu percurso, como sugere linhas que mais do que darem conta do que são as valias da companhia, perpetua imagens formais, que numa lógica não contextualizada pode condicionar a recepção. Por isso, para uma ideia de conjunto fica um trabalho alicerçado numa forte presença (por vezes opressiva) da banda sonora, um esquema coreográfico sequencial, feito a partir de duetos ou divisões de género e uma aposta na narrativa linear em nome de uma compreensão e integração dos movimentos contemporâneos em fórmulas clássicas e estanques.
Em Arcangelo (2000, já apresentada em Lisboa em Setembro 2001), por exemplo, há uma leveza e organicidade assinalada no corpo dos bailarinos, que promove um jogo quase lúdico em que o desenho dos movimentos provoca não só o alongar do corpo dos intérpretes, como auxilia a construção de um todo poético e romântico. O que pode ser visto como um jogo pré-sexual não é mais que uma qualquer dança de reconhecimento da cumplicidade e intimidade dos pares. Feita de um espaço limpo em tons dourados e negros, o chão apresenta três pequenas elevações onde, a espaços, os corpos se encontram. Por vezes a peça sugere uma paisagem coreográfica hipnótica, até pelo modo como é criada uma barreira de distância entre quem faz e observa.
Mas o modo como se desenvolve, potenciada pela excessiva colagem à banda sonora feita de excertos dos concertos de Arcangelo Corelli, parece recusar uma respiração do corpo do intérprete. Aqui, o corpo é espaço para um desenho de intenções que mais que emocionar, denuncia um controlo e manietação, que no entanto funciona como uma vantagem para as eventuais falhas humanas dos intérpretes. O domínio sobre a coreografia evidencia um rigor e exactidão performática irrepreensível. No final, o impacto visual toma contornos opressivos sobre a estrutura monocórdica da peça num enorme pano que eleva um par enamorado. Mas no espectador é deixada a sensação de fragilidade e pouca desenvoltura dramatúrgica, em nome de uma coreografia escorreita.
Em Por vos muero (1996), promove-se uma narrativa e linearidade que constrange a potencial dimensão onírica da proposta. Apostada num equilíbrio entre a música espanhola dos séculos XV e XVI, e os versos de Garcilaso de Vega (ditos por um sempre erótico Miguel Bosé), esta é uma peça na qual as intrigas e desencontros de corte são estilizados em diálogos coreográficos amplamente ilustrativos. Numa coreografia eminentemente feminina, é ao conjunto de bailarinas que cabe o momento mais relevante, quando numa mistura entre sonho e realidade, dançam com máscaras, pretensamente de entes queridos. E se o cenário (feito de portas comunicantes), os figurinos e até a utilização de incenso parecem procurar a criação de uma atmosfera medieval, a frágil coreografia confunde virtuosismo com diálogos sequenciais feitos em resposta à música. Trata-se de um exercício de estilo nitidamente datado, ao qual nem sequer resiste a técnica dos intérpretes. Novamente se sente uma tentativa de conciliação entre duas linguagens performáticas diferentes, sem a promoção de uma nova forma de pensar o corpo no espaço e no contexto.
Já em Diecisiete (2005), Nacho Duato apresenta um trabalho onde a componente plástica serve a coreografia e o movimento, surgindo amplificado por uma dimensão teatral que responde à tentativa de construção de uma dramaturgia fragmentada e em aberto. Partindo da ideia de exploração de imagens provocadas pelos haikus [dezassete é o número de sílabas de um haiku], desenvolve-se uma coreografia assente num trabalho de sonoplastia que, mais do que castrar os corpos, como nas peças anteriores, potencia os movimentos, abrindo pistas para a sua interpretação.
Sendo radicalmente oposta às anteriores, apresenta-se uma estrutura performática que contextualiza os movimentos numa hibridez cénica, à qual não é alheia a profusão de adereços, elementos sonoros (gravilha, carros, chuva...) e multiplicação de planos de acção. Os corpos masculinos e femininos cruzam-se para uma coreografia árida e resistente, nitidamente marcada por uma relação de equilíbrio entre o mundano e o primitivismo. Esses mesmos corpos parecem ignorar diferenças sexuais, caminhando para um grotesco oscilante entre máquina e animal. Em Diecisiete é convocado todo um mundo burocrático e violentamente estéril, no qual a amálgama de corpos é impotente face radicalização de discursos.
Fortemente relacionada com o oriente, e uma ideia de exploração individual que é sugerida pelos haikus, esta é uma peça na qual se concentram outras formas de pensar e fazer a dança contemporânea. Sobretudo uma que estáapostada em se confundir com o próprio contexto e imaginário criativo em que se insere. Ainda assim, Nacho Duato não resiste a uma finalização, contrariando o que de etéreo têm os haikus. A recriação em palco do que antes havia sido apresentado em maquete, denuncia uma necessidade de ilustração em detrimento de uma coreografia que se queria aberta e ambígua.
Porque é a própria companhia a forçá-lo, é inerente a comparação entre as propostas na busca de uma evolução. Razão pela qual, do conjunto se destaca a última peça, Diecisiete, uma vez que sendo a mais recente apresentada neste programa (a companhia estreou novo programa em Abril deste ano), promove essa relação entre performatividade e narrativa, dramaturgia e coreografia, instalação no espaço e distensão dos limites interpretativos dos bailarinos.
As três peças trazidas pela CND evidenciam uma natural capacidade de criação semiótica, mesmo que, por vezes, se escusem a uma radicalização estrutural. Nesse sentido, o programa obriga ao estabelecimento de linhas que não dando conta da dimensão imaginária da companhia, apontam para sedimentação de gostos, formas e conceitos. Moldada à imagem de Nacho Duato será natural vermos na CND determinados traços que sejam identificativos do criador, e cerquem a companhia. Nesse sentido, importa também pensar no lugar que ocupa enquanto companhia oficial. Sobretudo no que isso representa de imposição de modelos coreográficos para um público que não reconhece na dança margem para a instalação do corpo no espaço sem uma narrativa e uma emoção transbordantes e imediatas.
Mas é importante considerar que uma apresentação fora do contexto nacional, no caso Espanha, peca, quase sempre, por uma amostragem vintage do trabalho da companhia. E reflectir sobre a imagem que a companhia quer passar para o público português. E aí, conscientes do público para o qual trabalham, estrutura e direcção artística do evento devem encontrar uma plataforma que, mesmo de equilíbrio, obrigue a um pensar (e evoluir) desse evento. Se, como se sabe, a aposta em Vasco Wellenkamp para a direcção da programação de dança do Festival de Sintra quer significar uma renovação de linguagem, sabe-se também que correm contra si 38 anos de programação clássica. O que obriga a uma definição.
Não havendo lugar para a reunião de propostas canónicas com as condições como as que o Festival de Sintra apresenta, porquê procurar a combinação clássica/contemporânea, correndo o risco de não só afastar o público habituado mas também de provocar no público de outras linguagens (ou o de um pensar da dança integrado no tecido criativo contemporâneo) uma recusa de modelos pouco definidos? Porque não assumir em Sintra a reunião das mais equilibradas, inovadoras e estruturadas propostas clássicas, no que isso possa significar de bagagem para a compreensão do que é a descontrução performática praticada num conjunto de estruturas mais ou menos oficiais e independentes. Ou, por outro lado, assumir em Sintra o encontro de companhias que se justifiquem pelo modo como combinam linguagens clássicas através de modelos e formas radicados em estruturas coreográficas contemporâneas. Mas, sobretudo, seja uma ou outra a opção, promover a apresentação de propostas que mais do que forçarem um equilíbrio em detrimento de uma definição, promovam uma formação e evolução de gostos, público, projectos e companhias.
O programa da CND, mais que a perpetuação de um modelo (seja da própria companhia ou deste novo formato do Festival) obriga a uma profunda reflexão. Porque se nestes anos de transição, dois públicos aceitam a convivência, dificilmente se sustentarão quando for obrigatória a definição de uma linha programática.
Outros espectáculos do 40º Festival de Sintra analisados neste blog:
Ballet du Grand Thèâtre de Genève (10 de Julho 2005)
Outros espectáculos do 40º Festival de Sintra analisados fora deste blog:
Scottish Dance Theatre (proposta de Rui Horta, MUTE) - jornal PÚBLICO, 17 Julho 2005
Toda a programação pode ser consultada aqui.
1 comentário:
Ufa....qual é o prémio por ter lido tudinho até ao fim? ahahah
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