Sonho ma non troppo
Análise a Sonho de uma noite de verão
Companhia Nacional de Bailado
Teatro Camões, Lisboa
20 Maio 2005
21h00
A Companhia Nacional de Bailado recupera a coreografia do suiço Heinz Spoerli (estreia em Portugal em 2004), em que uma história de enganos e equívocos, só credível num "sonho para além do entendimento humano", é o mote para falar, como sempre, do amor e suas tensões. Tudo parte do texto de Shakespeare (1595), um fascinante jogo de 'teatro no teatro' aqui aproveitado para uma estrutura em que dramaturgia e coreografia são a base de uma proposta que equilibra um jogo de manipulação da crença e ilusão cénicas.
Mestre Tecelão, um 'técnico de palco', adormece após o ensaio tendo um sonho que envolve fadas, elfos, e um suceder de casais desavindos e erradamente apaixonados. É este o fruto dos enganos de Puck, um endiabrado elfo, encarregue pelo ciumento rei Oberon de promover a confusão, incluindo transformar o 'técnico' em burro e assim pregar uma partida a Titânia, sua amada. Sendo Sonho... uma fábula, funde-se real e fantasia num desenho dramatúrgico que envolve o espectador e 'confunde' ensaio, sonho e espectáculo, as três partes em que se pode dividir esta proposta.
Mas a dramaturgia que a sustenta reduz significativamente a acção, criando algumas dificuldades na compreeensão e desequilibradas certas opções.
É o caso dos "pas-de-deux" feitos no sonho, menos entusiasmantes, dinâmicos e intensos quando comparados com os das sequências inicial e final. Até porque, à excepção de alguns movimentos, os próprios bailarinos se apresentam mais coerentes. No limite, a parecer justificar que o verdadeiro Sonho... se passa nos momentos em que cenário (duas imensas paredes transparentes com imagens difusas), luz (mais eficaz e menos soturna), música (de Steve Reich e Philip Glass em substituição da rapsódia de Mendelssohn usada na parte do sonho) e coreografia se coordenam numa abstracção que eleva a proposta à intemporalidade procurada.
Este é um espectáculo que promove ligações entre o teatro e a dança, mas também procura jogar com o lugar de quem vê e faz, como seja a ligação entre movimentos iniciais que introduzem outros desenvolvidos tanto na parte do sonho como na sequência final; a mimese dos bailarinos pelos actores; o 'palco dentro do palco' que a companhia improvisada cria para se apresentar ao duque e convidados (o conjunto dos bailarinos) mas cuja representação é feita para o 'público verdadeiro' que reage entusiasticamente; o cenário permanente que permite atravessar os vários planos através das transparências, incluindo o momento em que uma das paredes atravessa o palco e confronta o público no intervalo; e, já no final, o sentimento de clausura que Mestre Tecelão (Joaquim Horta) sente ao ver-se, na boca de cena, entre os elfos (atrás da parede) e o público (na plateia). Mas o momento alto destes encontros acontece no fim do 1º acto, quando o burro se deixa 'levar' quase tímido num "pas-de-deux" tocante com Titânia (Ana Lacerda).
Reside aí o potencial desta proposta onde no cruzamento de diversos níveis de leitura (ou de realidades) nasce um espectáculo suficientemente envolvente e cativante. Um registo que não só promove uma feliz relação entre o virtuosismo dos bailarinos - destaca-se Puck (Carlos Pinillos) em particular e o conjunto masculino, mais interventivo que o feminino -, e o histrionismo dos actores, como apela ao público mais jovem e transporta o público adulto para a simplicidade das histórias de fadas.
Sonho de uma noite de verão
Coreografia: Heinz Spoerli; Orquestra Sinfónica Portuguesa, Direcção Musical: James Tuggle; Música: Félix Mendelssohn-Bartholdi, Steve Reich, Philip Glass; Direcção de actores: João Mota
19 de Maio a 04 Junho 2005
Análise a Sonho de uma noite de verão
Companhia Nacional de Bailado
Teatro Camões, Lisboa
20 Maio 2005
21h00
A Companhia Nacional de Bailado recupera a coreografia do suiço Heinz Spoerli (estreia em Portugal em 2004), em que uma história de enganos e equívocos, só credível num "sonho para além do entendimento humano", é o mote para falar, como sempre, do amor e suas tensões. Tudo parte do texto de Shakespeare (1595), um fascinante jogo de 'teatro no teatro' aqui aproveitado para uma estrutura em que dramaturgia e coreografia são a base de uma proposta que equilibra um jogo de manipulação da crença e ilusão cénicas.
Mestre Tecelão, um 'técnico de palco', adormece após o ensaio tendo um sonho que envolve fadas, elfos, e um suceder de casais desavindos e erradamente apaixonados. É este o fruto dos enganos de Puck, um endiabrado elfo, encarregue pelo ciumento rei Oberon de promover a confusão, incluindo transformar o 'técnico' em burro e assim pregar uma partida a Titânia, sua amada. Sendo Sonho... uma fábula, funde-se real e fantasia num desenho dramatúrgico que envolve o espectador e 'confunde' ensaio, sonho e espectáculo, as três partes em que se pode dividir esta proposta.
Mas a dramaturgia que a sustenta reduz significativamente a acção, criando algumas dificuldades na compreeensão e desequilibradas certas opções.
É o caso dos "pas-de-deux" feitos no sonho, menos entusiasmantes, dinâmicos e intensos quando comparados com os das sequências inicial e final. Até porque, à excepção de alguns movimentos, os próprios bailarinos se apresentam mais coerentes. No limite, a parecer justificar que o verdadeiro Sonho... se passa nos momentos em que cenário (duas imensas paredes transparentes com imagens difusas), luz (mais eficaz e menos soturna), música (de Steve Reich e Philip Glass em substituição da rapsódia de Mendelssohn usada na parte do sonho) e coreografia se coordenam numa abstracção que eleva a proposta à intemporalidade procurada.
Este é um espectáculo que promove ligações entre o teatro e a dança, mas também procura jogar com o lugar de quem vê e faz, como seja a ligação entre movimentos iniciais que introduzem outros desenvolvidos tanto na parte do sonho como na sequência final; a mimese dos bailarinos pelos actores; o 'palco dentro do palco' que a companhia improvisada cria para se apresentar ao duque e convidados (o conjunto dos bailarinos) mas cuja representação é feita para o 'público verdadeiro' que reage entusiasticamente; o cenário permanente que permite atravessar os vários planos através das transparências, incluindo o momento em que uma das paredes atravessa o palco e confronta o público no intervalo; e, já no final, o sentimento de clausura que Mestre Tecelão (Joaquim Horta) sente ao ver-se, na boca de cena, entre os elfos (atrás da parede) e o público (na plateia). Mas o momento alto destes encontros acontece no fim do 1º acto, quando o burro se deixa 'levar' quase tímido num "pas-de-deux" tocante com Titânia (Ana Lacerda).
Reside aí o potencial desta proposta onde no cruzamento de diversos níveis de leitura (ou de realidades) nasce um espectáculo suficientemente envolvente e cativante. Um registo que não só promove uma feliz relação entre o virtuosismo dos bailarinos - destaca-se Puck (Carlos Pinillos) em particular e o conjunto masculino, mais interventivo que o feminino -, e o histrionismo dos actores, como apela ao público mais jovem e transporta o público adulto para a simplicidade das histórias de fadas.
Sonho de uma noite de verão
Coreografia: Heinz Spoerli; Orquestra Sinfónica Portuguesa, Direcção Musical: James Tuggle; Música: Félix Mendelssohn-Bartholdi, Steve Reich, Philip Glass; Direcção de actores: João Mota
19 de Maio a 04 Junho 2005
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