A propósito de Eugénio de Andrade
Transcrevo da caixa de comentários do Nuno a resposta esclarecedora que Augusto M. Seabra lá deixou, a propósito de um post que referia a aparente ausência de referências à homossexualidade de Eugénio de Andrade nas notícias sobre a sua morte, e que citei aqui:
Caros Nuno e Tiago:
Deixo aqui um comentário porque factualmente o post não está correcto. No último paragráfo, no último período mesmo, do texto do Luís Miguel Queiroz no Público, "Poeta de um obstinado rigor", pág. 25, está escrito: "Para Eugénio, o modelo do humano, mais ainda do que o grande criador, é "um rapaz/desses do Pasolini esplendidamente/nu, plantado na terra". De que sexualidade se fala, de que desejo que irriga toda a obra? E note-se que falamos de quem nos marcou, Eugénio de Andrade, o poeta, não exactamente o homem José Fontinhas. Mas o post também não está factualmente correcto porque no "Diário de Notícias", no texto "Eugénio e os áulicos", Eduardo Pitta retoma o requisitório que já tinha feito em "A Fractura - A Condição Homossexual na Literatura Portuguesa", considerando que o Eugénio acabou por ser "o paradigma do não-dito" e "refém de uma estratégia de representação equívoca", "reiteradamente branqueando" ele próprio "a condição homossexual"; caso para perguntar se um autor e teórico "gay" pode por sua vez construir uma espécie de "homonormatividade estética". Isto é para vos fazer notar, a um e outro, que saberão que não sou pessoa para admitir discriminações, que as formulações de identidade também não são tão simples como uma ficha em que esteja escrito "Eugénio de Andrade, 82 anos, poeta, homossexual", e que o exemplo concreto remete para uma questão mais geral de estratégias de discurso e de nomeação no espaço público - o que é uma questão que sempre me importa. E se me permitem, o sopro de um desejo e de um liberdade que não admite as restrições e repressões dos códigos heteronormativos vigentes talvez possa disseminar muito mais da leitura de alguns poemas tão intensa e abertamente homoeróticos como os de Eugénio do que algumas formas de activismo tão restritivas como as que neste momento também observo em certa blogayesfera - e se me afastei do que me trazia ao comentário, é também porque não sei se possa simplesmente considerar que essa seja outra matéria.
Saudações a ambos
Augusto M. Seabra
Não há como a interactividade para se estar sempre a aprender. Obrigado Augusto pelos esclarecimentos. Mesmo que eu considere que quem critica, analisa, observa, tem sempre legitimidade para ultrapassar a obra e encontrar na vida do criador razões de fundamentação. Até porque quem faz o exercício de observação e crítica, não deve fixar, mas antes propor linhas organizativas, sobretudo de acordo com aquilo que lhe interessa mais explorar. Ou seja, encontrar também uma linha discursiva. E sobretudo com a consciência de que promoverá o perpetuar da obra dos criadores. Portanto, estará sempre a construir discursos mais ou menos condicentes com aquilo que são os desejos de "branqueamento" ou "assumpção" de quem cria. E daqui a uma reflexão sobre o lugar destes "organizadores" na construção de um imaginário cultural colectivo que resgate as obras das intenções dos criadores (veja-se Kafka, por exemplo), é um passo.
E concordo com a ideia de superficialidade em que por vezes cai a blogaysfera. Um recurso primário inconsciente da responsabilidade dos gestos.
Transcrevo da caixa de comentários do Nuno a resposta esclarecedora que Augusto M. Seabra lá deixou, a propósito de um post que referia a aparente ausência de referências à homossexualidade de Eugénio de Andrade nas notícias sobre a sua morte, e que citei aqui:
Caros Nuno e Tiago:
Deixo aqui um comentário porque factualmente o post não está correcto. No último paragráfo, no último período mesmo, do texto do Luís Miguel Queiroz no Público, "Poeta de um obstinado rigor", pág. 25, está escrito: "Para Eugénio, o modelo do humano, mais ainda do que o grande criador, é "um rapaz/desses do Pasolini esplendidamente/nu, plantado na terra". De que sexualidade se fala, de que desejo que irriga toda a obra? E note-se que falamos de quem nos marcou, Eugénio de Andrade, o poeta, não exactamente o homem José Fontinhas. Mas o post também não está factualmente correcto porque no "Diário de Notícias", no texto "Eugénio e os áulicos", Eduardo Pitta retoma o requisitório que já tinha feito em "A Fractura - A Condição Homossexual na Literatura Portuguesa", considerando que o Eugénio acabou por ser "o paradigma do não-dito" e "refém de uma estratégia de representação equívoca", "reiteradamente branqueando" ele próprio "a condição homossexual"; caso para perguntar se um autor e teórico "gay" pode por sua vez construir uma espécie de "homonormatividade estética". Isto é para vos fazer notar, a um e outro, que saberão que não sou pessoa para admitir discriminações, que as formulações de identidade também não são tão simples como uma ficha em que esteja escrito "Eugénio de Andrade, 82 anos, poeta, homossexual", e que o exemplo concreto remete para uma questão mais geral de estratégias de discurso e de nomeação no espaço público - o que é uma questão que sempre me importa. E se me permitem, o sopro de um desejo e de um liberdade que não admite as restrições e repressões dos códigos heteronormativos vigentes talvez possa disseminar muito mais da leitura de alguns poemas tão intensa e abertamente homoeróticos como os de Eugénio do que algumas formas de activismo tão restritivas como as que neste momento também observo em certa blogayesfera - e se me afastei do que me trazia ao comentário, é também porque não sei se possa simplesmente considerar que essa seja outra matéria.
Saudações a ambos
Augusto M. Seabra
Não há como a interactividade para se estar sempre a aprender. Obrigado Augusto pelos esclarecimentos. Mesmo que eu considere que quem critica, analisa, observa, tem sempre legitimidade para ultrapassar a obra e encontrar na vida do criador razões de fundamentação. Até porque quem faz o exercício de observação e crítica, não deve fixar, mas antes propor linhas organizativas, sobretudo de acordo com aquilo que lhe interessa mais explorar. Ou seja, encontrar também uma linha discursiva. E sobretudo com a consciência de que promoverá o perpetuar da obra dos criadores. Portanto, estará sempre a construir discursos mais ou menos condicentes com aquilo que são os desejos de "branqueamento" ou "assumpção" de quem cria. E daqui a uma reflexão sobre o lugar destes "organizadores" na construção de um imaginário cultural colectivo que resgate as obras das intenções dos criadores (veja-se Kafka, por exemplo), é um passo.
E concordo com a ideia de superficialidade em que por vezes cai a blogaysfera. Um recurso primário inconsciente da responsabilidade dos gestos.
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