sexta-feira, dezembro 31, 2004

Quando ris, ris de quê?

O suplmento Y, do jornal Público, dá hoje conta do epifenómeno teatral de 2004: a comédia. Ao que consta riu-se muito nos palco portugueses. E porquê? Joana Gorjão Henriques fala com Maria Helena Serôdio:

É uma tendência que se desenha há algum tempo, mas nunca como agora se sentiu tanto a presença da comédia no teatro nem tanta diversidade. Em 2004 houve de tudo e para todos os gostos, da comédia "mainstream" à alternativa.

Houve comédia a solo com Jô Soares a satirizar gordos e políticos e com José Airosa numa crónica "épico-cómica" sobre futebol ("Itália-Brasil"). Houve comédia em dupla com Ana Bola e Maria Rueff a vilipendiarem as tendências consumistas ("Celadon"). Houve comédia de costumes com Miguel Guilherme, João Lagarto e outros ("Jantar de Idiotas"). E comédia negra com os Artistas Unidos ("O Nosso Hóspede", de Joe Orton, "Terrorismo" e "No Papel da Vítima", dos Irmãos Presniakov) e comédia burlesca de José Maria Vieira Mendes ("Se o Mundo Não Fosse Assim", a partir de Damon Runyon).

Houve comédias da vida conjugal com brasileiros ("Batalha do Arroz" e "Intimidade Indecente") e comédia brincalhona com Luis Miguel Cintra ("Esopaida ou a Vida de Esopo", de António José da Silva). Houve comédias no feminino com Ana Bustorff ou Fernanda Serrano ("ABC da Mulher" e "Confissões das Mulheres de 30"), sátiras políticas ("Deixa-me Rir") e sátiras sociais ("Portugal, Uma Comédia Musical"). Houve um programa de TV, "Gato Fedorento", que foi para os palcos e esgotou num ápice três dias no Teatro Tivoli...

O fenómeno assumiu maior visibilidade porque tocou vários teatros - diversas companhias abriram-se à comédia - e quadrantes diferentes, considera Maria Helena Serôdio, responsável pelo Departamento de Estudos de Teatro da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. E não pode ser separado da presença do cómico em outros meios, o que só prova que o teatro faz um "insert" de outras realidades e não funciona "à porta fechada".

"Essa vontade e capacidade de fazer humor como forma inteligente de falar da contemporaneidade atravessa muitos lugares culturais. Antigamente criticava-se o teatro no teatro, agora isso é mais abrangente: há 'O Inimigo Público' [suplemento satírico do PÚBLICO] que satiriza a imprensa através da imprensa, o 'Gato Fedorento' ou 'O Perfeito Anormal' que satirizam a televisão através da televisão. As gerações mais novas estão atentas a essa realidade e têm uma capacidade de distanciação e de autocrítica muito interessantes."


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