O Natal do Filipe, do Mindtrap
O encontro estava marcado para a Cibeles.
Saí de Lisboa, empolgado com mais uma viagem. Rumei à Ponte. Olhei para o lado direito a nova cidade agarrava-se ao rio.
Entrei rapidamente na auto-estrada, e reparei que ia sem música. Folheio a caixa de cd's, de frente para trás, de trás para a frente, e nada me diz nada.
Continuo em silêncio, a ouvir o silêncio do novo carro. Ainda sem pó, sem beatas, sem recibos de portagens, sem catálogos da Technal ou da Pladur, sem convites não aceites, sem histórias para contar.
Atravesso o Alentejo em silêncio. Como diria alguém, é pobrezinho mas é nosso. Sorriu.
Quero música...Iggy Pop...Lust for Life....
Quando estiver a meio da viagem, vais tu estar a sair de Lisboa. Vais de avião, ainda tinha milhas para gastar e saias mais tarde do trabalho. Pediste-me para ir contigo. Não quis. Quis viajar comigo. E quis viajar sem ti.
Precisava de estar apenas umas horas nem que fosse para não pensar em nada. Ao teu lado muita informação teria que digerir.
Quis experimentar-me, por mais breve que a experiência fosse. Tal como fiz, há 10 anos, quando tinha 18 anos com carta e carro a estrear, peguei no carro, disse que ia tomar café e fui até às Beiras cheirar a terra dos meus pais.
Aqui ia cheirar uma terra estranha ao meu sangue.
Mas já bem reconhecida pelo meu tacto.
A primeira vez que fui a Madrid, a very very very long time ago, achei a cidade extremamente violenta (ETA esteve bem presente nessa primeira ida), agressiva (para um miúdo dos típicos subúrbios calmos da cidade) e cruel (assisti a vários assaltos, pancadaria, prostituição em frente ao hotel).
Hoje passada uma década, Madrid não mudou muito.
Hoje, ironicamente, a mesma Madrid violenta, agressiva e cruel, serve de porto de abrigo.
O que eu procuro na rápida Madrid, é a calma que não tenho nesta bucólica Lisboa.
Vou pensando em nós, agora ao som de Bebel. Mais calmo penso neste tempo em que tivemos separados. Em que encontraste alguém porque te sentias só. Em que eu encontrei alguém porque já me sentia habituado a companhia.
Só que não eras tu.
Regressei. Não o soubeste.
Respondias aos meus e-mail’s, como se eu continuasse a milhares de Km’s de distância.
Precisei, tal como nesta viagem de me organizar.
Mentira…tinha medo. Muito. De saber que estavas realmente bem, tal como dizias nos teu e-mail’s.
Seria este o nosso primeiro fim-de-semana desde que voltamos. Desde que a tua mãe me segredou que estavas sozinho. Desde que te procurei na festa de aniversário do teu pai. Desde que te encontrei prostrado a um canto da sala sozinho no meio de dezenas de convidados. Desde que saímos daquela festa nos enfiamos numa discoteca ensurdecedora. Desde que nos deitamos juntos bêbados. Desde que adormecemos. Desde que me levantei e saí.
Telefono-te quando estou a entrar já na M40. Já toca. Já aterraste.
- Não te vou buscar, porque o trânsito está caótico para o aeroporto. Vai lá ter a casa. Sabes como é…a fuga para as províncias para festejarem o Natal.
- Obrigado.
Seco.
Estaciono o carro numa perpendicular à Serrano. Percorro as duas ruas até ao prédio com uma quietude que parece acalmar a cidade que vai adormecendo à minha volta. Entro, a porteira espreita, passo o pátio interior com a sua fonte de inspiração árabe, subo, a madeira range, meto a chave à porta.
A chave dá uma, duas, três voltas, e arrepio-me com o som das voltas que ecoa pelo corredor.
Pouso o saco.
A escuridão silenciosa da casa atordoa-me.
Os rostos dos quadros das paredes sufocam-me e sugam-me.
Estou pornograficamente ansioso.
Começo a sentir a tua falta neste espaço. Neste canto que era o nosso refúgio.
E percebo que o silêncio que procurava eras tu.
Deito-me na cama. Passado um ano volto a pôr Simone de Oliveira.
Primeiro são os teus passos, pela escada
A madeira a dizer-me que chegaste
Depois a porta a pouco e pouco aberta
E o silêncio que só prova.. já entraste
Pela luz do teu cigarro eu adivinho
Que caminho têm as roupas pelo chão
E tu pensas que eu ainda estou dormindo
E eu penso que aprendi já a lição
Então pé ante pé, braço ante braço
Deitas-te a meu lado quase a medo
E atrasas o relógio que há no quarto
Para se eu acordar pensar que ainda é cedo
Então pé ante pé, braço ante braço
Deitas-te a meu lado quase a medo
E atrasas o relógio que há no quarto
Para se eu acordar pensar que ainda é cedo
E cedo sinto e sofro a tua mão
Descendo pelo meu corpo devagar
Eu penso que aprendi já a lição
Juro que não vou nunca mais acordar
Pergunto-te a dormir que horas são
Protesto, digo não, mas como sempre
Acabo com os teus lábios no meu peito
Os teus dedos brincando, ardendo no meu ventre
E abro-te o meu corpo de mulher
Esqueço a raiva, a dor, as amarguras
Cá dentro nasce o Sol, já é manhã
E o relógio do quarto ainda bate as duas
E abro-te o meu corpo de mulher
Esqueço a raiva, a dor, as amarguras
Cá dentro nasce o Sol, já é manhã
E o relógio do quarto ainda bate as duas
Primeiro são os teus passos pela escada......
Saí de Lisboa, empolgado com mais uma viagem. Rumei à Ponte. Olhei para o lado direito a nova cidade agarrava-se ao rio.
Entrei rapidamente na auto-estrada, e reparei que ia sem música. Folheio a caixa de cd's, de frente para trás, de trás para a frente, e nada me diz nada.
Continuo em silêncio, a ouvir o silêncio do novo carro. Ainda sem pó, sem beatas, sem recibos de portagens, sem catálogos da Technal ou da Pladur, sem convites não aceites, sem histórias para contar.
Atravesso o Alentejo em silêncio. Como diria alguém, é pobrezinho mas é nosso. Sorriu.
Quero música...Iggy Pop...Lust for Life....
Quando estiver a meio da viagem, vais tu estar a sair de Lisboa. Vais de avião, ainda tinha milhas para gastar e saias mais tarde do trabalho. Pediste-me para ir contigo. Não quis. Quis viajar comigo. E quis viajar sem ti.
Precisava de estar apenas umas horas nem que fosse para não pensar em nada. Ao teu lado muita informação teria que digerir.
Quis experimentar-me, por mais breve que a experiência fosse. Tal como fiz, há 10 anos, quando tinha 18 anos com carta e carro a estrear, peguei no carro, disse que ia tomar café e fui até às Beiras cheirar a terra dos meus pais.
Aqui ia cheirar uma terra estranha ao meu sangue.
Mas já bem reconhecida pelo meu tacto.
A primeira vez que fui a Madrid, a very very very long time ago, achei a cidade extremamente violenta (ETA esteve bem presente nessa primeira ida), agressiva (para um miúdo dos típicos subúrbios calmos da cidade) e cruel (assisti a vários assaltos, pancadaria, prostituição em frente ao hotel).
Hoje passada uma década, Madrid não mudou muito.
Hoje, ironicamente, a mesma Madrid violenta, agressiva e cruel, serve de porto de abrigo.
O que eu procuro na rápida Madrid, é a calma que não tenho nesta bucólica Lisboa.
Vou pensando em nós, agora ao som de Bebel. Mais calmo penso neste tempo em que tivemos separados. Em que encontraste alguém porque te sentias só. Em que eu encontrei alguém porque já me sentia habituado a companhia.
Só que não eras tu.
Regressei. Não o soubeste.
Respondias aos meus e-mail’s, como se eu continuasse a milhares de Km’s de distância.
Precisei, tal como nesta viagem de me organizar.
Mentira…tinha medo. Muito. De saber que estavas realmente bem, tal como dizias nos teu e-mail’s.
Seria este o nosso primeiro fim-de-semana desde que voltamos. Desde que a tua mãe me segredou que estavas sozinho. Desde que te procurei na festa de aniversário do teu pai. Desde que te encontrei prostrado a um canto da sala sozinho no meio de dezenas de convidados. Desde que saímos daquela festa nos enfiamos numa discoteca ensurdecedora. Desde que nos deitamos juntos bêbados. Desde que adormecemos. Desde que me levantei e saí.
Telefono-te quando estou a entrar já na M40. Já toca. Já aterraste.
- Não te vou buscar, porque o trânsito está caótico para o aeroporto. Vai lá ter a casa. Sabes como é…a fuga para as províncias para festejarem o Natal.
- Obrigado.
Seco.
Estaciono o carro numa perpendicular à Serrano. Percorro as duas ruas até ao prédio com uma quietude que parece acalmar a cidade que vai adormecendo à minha volta. Entro, a porteira espreita, passo o pátio interior com a sua fonte de inspiração árabe, subo, a madeira range, meto a chave à porta.
A chave dá uma, duas, três voltas, e arrepio-me com o som das voltas que ecoa pelo corredor.
Pouso o saco.
A escuridão silenciosa da casa atordoa-me.
Os rostos dos quadros das paredes sufocam-me e sugam-me.
Estou pornograficamente ansioso.
Começo a sentir a tua falta neste espaço. Neste canto que era o nosso refúgio.
E percebo que o silêncio que procurava eras tu.
Deito-me na cama. Passado um ano volto a pôr Simone de Oliveira.
Primeiro são os teus passos, pela escada
A madeira a dizer-me que chegaste
Depois a porta a pouco e pouco aberta
E o silêncio que só prova.. já entraste
Pela luz do teu cigarro eu adivinho
Que caminho têm as roupas pelo chão
E tu pensas que eu ainda estou dormindo
E eu penso que aprendi já a lição
Então pé ante pé, braço ante braço
Deitas-te a meu lado quase a medo
E atrasas o relógio que há no quarto
Para se eu acordar pensar que ainda é cedo
Então pé ante pé, braço ante braço
Deitas-te a meu lado quase a medo
E atrasas o relógio que há no quarto
Para se eu acordar pensar que ainda é cedo
E cedo sinto e sofro a tua mão
Descendo pelo meu corpo devagar
Eu penso que aprendi já a lição
Juro que não vou nunca mais acordar
Pergunto-te a dormir que horas são
Protesto, digo não, mas como sempre
Acabo com os teus lábios no meu peito
Os teus dedos brincando, ardendo no meu ventre
E abro-te o meu corpo de mulher
Esqueço a raiva, a dor, as amarguras
Cá dentro nasce o Sol, já é manhã
E o relógio do quarto ainda bate as duas
E abro-te o meu corpo de mulher
Esqueço a raiva, a dor, as amarguras
Cá dentro nasce o Sol, já é manhã
E o relógio do quarto ainda bate as duas
Primeiro são os teus passos pela escada......
1 comentário:
Excelente texto. Gostei muito de o ler.
Abraço
cachucho
http://enresinados.weblog.com.pt
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