domingo, dezembro 26, 2004

Poética do quotidiano (especial Natal) - VIII



O Natal do Tiago, do Litanias


Lembro-me por vezes das noites de Natal que passámos juntos. De como eras, na bonomia que a idade permite, motivo de risos pela noite fora. De como o
frio, a doença e a ausência daquela que amavas não te tiravam o humor e a alegria de viver. Até pouco depois da meia-noite, quando, já abertos os presentes, te íamos levar a casa. Passei lá à porta, há dias. Está vazia, a tua casa, a tua foi a última família a lá viver, não creio que venha a ser
ocupada brevemente. Lembro-me do teu sorriso de criança de 80 anos. E de como gostavas do cabrito da minha mãe, que comíamos uma vez por ano. Que sabíamos associado a uma data em particular. Não a do nascimento de algum Messias, mas a de estarmos juntos por algumas horas. Ias gostar de ver, este ano. O Mário, com quem te davas tão bem, é pai desde há dois meses. O meu pai está muito melhor que o ano passado. Desde que foste que ele não é aquele homem forte que criaste. E, que estranho, foi precisamente na tua partida que senti o virar da agulha que me tornou em parte naquilo que sou hoje. Sei que te ias orgulhar de mim, que ias gostar de me ver agora, homem feito, a trabalhar e com projectos e ambições. Espero que sim, que gostasses de me ver. Eu sei que ia gostar de te ver... Ultimamente, comemos cabrito mais que uma vez por ano. Preferia que fosse como antes... Queria o teu sorriso de volta, para me afastar as lágrimas quando penso em ti...
Feliz Natal, Avô...