terça-feira, agosto 24, 2004

Espelho deformado (2ª parte)

TÍTULO (no seu todo)




Este trabalho do Teatro Praga procura reflectir sobre o poder de deformação do real quando apresentado ao seu reflexo. É, assim, um trabalho sobre o processo de apresentação numa espécie de esquema "real - imagem - reflexo". Será mais importante o que se mostra ou o que se vê?

Fá-lo través de um dispositivo cénico que cruza as intenções de August Strinberg quanto ao que deveria ser o teatro realista com a teoria de Lars von Trier e aposta num trabalho realista q.b., proporcionando ao espectador um confronto entre o ser e o estar.

No teatro experimental assistimos à presença constante de uma espécie de parente moderno dos "actos" em que se dividiam as peças clássicas: os fragmentos ou blocos temáticos. No caso de TÍTULO cada bloco é introduzido por uma "falsa reunião" em que os criadores assumem um duplo papel para o espectador: este não sabe se essa convocação de "falsa reunião" está programada (e portanto é falsa) ou, de facto, assume o carácter moldável do espectáculo que funciona a partir de um guião pré-estabelecido mas não estanque (o que daria ao espectáculo a noção de ser construído consoante as disposições dos envolvidos).

De acordo com a teoria de August Strindberg a divisão em actos criava no espectador a possibilidade de reflecção e afastamento da influência de "hipnose" criada pelo autor. O que se propõe em TÍTULO é, por um lado essa distanciação do bloco temático anterior, mas ao mesmo tempo a suspensão da acção a favor dos criadores. Os espectadores acabam envolvidos nesse dispositivo aproveitando as pausas não para reflectir mas para agravarem o seu estado de curiosidade. A claustrofobia pretendida por Strindberg acaba, curiosamente, por funcionar. E isto resulta porque é criada a ilusão de permanente improviso, ou, quanto muito, de adequação do guião à situação, logo, ao "público". Manifesta-se a intenção de fazer espectáculos pensados para "aquele" público e não outro. Ou seja, o que é verdade para o público de hoje, pode não ser para o de amanhã. Para cada dia uma verdade diferente. Ou uma interpretação diferente.

Por outro lado, é quando, entre blocos, os actores "desmancham" a teatralidade e se "tornam" pessoas que o confronto verdadeiro/falso acontece.

Será neste ponto que mais se sente o cruzamento de diversas artes para a criação de um mesmo discurso. As «fatalidades» referidas anteriormente resultam num discurso teatral sobre «o fantasma da continuidade no teatro, o terrorismo teatral, o questionamento da convenção e do lugar do público, o do it yourself, a desobediência ao ordenamento dos materiais e o lugar da personagem e dos actores na criação teatral...» e que conjugam os pré-conceitos das artes performativas e das artes visuais. As primeiras sujeitas à falsidade versus insistência em realismo (o teatro é tanto mais falso quanto mais vezes se insistir na repetição) e as segundas obrigadas a um julgamento da parte pelo todo (nas artes plásticas tudo o que for incluído na sua apresentação está sujeito a análise).

TÍTULO é, assim, um espectáculo construído numa condição bi-dimensional, tal como os espelhos. O que pode ser verdadeiro e falso num objecto artístico, logo na representação da vida através da arte, depende do grau de proximidade com o objecto. Quanto mais próxima for a relação maior será a sensação de desequilíbrio. No fundo, os espelhos representam a realidade conforme a vontade que esta tiver de ser retratada. E no caso de TÍTULO a realidade de que se quer dar conta é uma deformada, porque incompleta e inacabada. Tal como num espelho de feira que revela certas contrariedades. O momento em que melhor se sente esta noção é no momento da "falsa audição", como vimos anteriormente. Porque não sabemos o resultado final, TÍTULO acabará nesse espectáculo por fazer. E com quem for escolhido. É o prolongamento para o outro lado do espelho.

Quando se olha retrospectivamente para TÍTULO, pode considerar-se que a proposta do Teatro Praga funciona mais para quem está de fora do que para os que optaram por interagir. O "público falso" não tem distância suficiente em relação ao objecto. Vivem noutro tipo de apreensão: a de saberem o que lhes vai acontecer. Assim, curiosamente, é para o espectador mais afastado da cena que a relação e envolvência total com o objecto acontece, o que baralha as instruções de Strindberg, a importância dos espelhos, as intenções de Lars von Trier e os conceitos de tempo, espaço, verdadeiro, falso e espectáculo.

Insiste-se, assim, numa outra forma de perceber a realidade: é mais verdadeiro o que se vê ou o que se quer ver?

1 comentário:

Anónimo disse...

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