Elogio à videocassete
a que se seguirá o elogio ao vinil e onde dou conta da minha angústia
São mais de 800 cassetes de vídeo arrumadas dentro de caixotes. As mais frágeis (os bens mais preciosos) estão embrulhadas em papel de jornal a ver se limita o acesso à humidade. Muita coisa russa, muita coisa muda, muito filme negro, cinema vérite, realismo italiano, expressionismo alemão, movida espanhola, algum cinema novo português, dezenas de documentários, reportagens, musicais, pérolas do entretenimento, marcos da história, etc. Neste momento, descontando aquelas outras preciosas que carrego comigo e mais algumas emprestadas, outras não recolhidas e umas que não lhes encontro o rasto, devem ultrapassar as oito centenas.
Com o advento do DVD, mais botão e menos botão, e as cassetes começaram a ficar obsoletas. Já ninguém quer saber das fitas partidas, dos drop-outs, regravações, capas perdidas e re-escritas... agora é tudo em DVD, essa pequena maravilha portátil, que se empresta porque demora meia hora a copiar. Essa coisa que custa os olhos da cara e cheia a moderno.
Eu não desisto das minhas cassetes. Elas podem desistir de mim, assumindo formas que não lhes reconheço ou, pior (ultrage!!!), desgravarem-se; fazerem um piquete de greve, não quererem entrar dentro do video, exigirem cabeças novas, esconderem-se atrás dos armários... o horror, o horror.
Fazem barulho quando caem, ganham mais pó, são pesadas e ocupam muito espaço. Não ficam bem numa casa desenhada a traço fino (não ficam bem senão num armário na despensa), merecem pontapés e vôos rasantes aos candeeiros quando não mostram o que dizem, desconhecem o que é um temporizador e, algumas delas, suicidam-se, cortando-se em pedaços de fita, que nos escorrega dos dedos à mesma velocidade que as imagens nelas inscritas.
Mas eu não me consigo livrar das cassetes de vídeo. Olho-as, transformo-as, classifico-as, defino-as, limpo-lhes o pó... observo-as como troféus de caça.
E depois o DVD ainda não permite gravar directamente da televisão; ainda não tem tudo o que eu quero; não sabe o que é a memória do tempo e precisa de muitos botões para funcionar. Dou dez anos para que as cassetes voltam a estar na moda outra vez. Com esta onda de revivalismo, em que até os anos 90 já são olhados com saudade, em breve os videogravadores serão caríssimos e depois irão todos chorar por terem feito substituir o mamute por uma gazela.
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