sexta-feira, fevereiro 27, 2004

Sessão contínua II

21 grams



Diz o Tiago Araújo sobre a cor deste filme: "A cor, nas tonalidades certas, no volume certo, pode salvar uma história. Em 21 Gramas, o grão ligeiro da imagem confere uma grande profundidade às cores e aos personagens. E as cores profundas de uma paisagem urbana intimamente americana libertam um filme onde se parecem conjugar demasiadas construções recicladas de outros filmes: a estrutura narrativa, muitos dos pormenores da história. Sean Penn, Benicio del Toro, Naomi Watts, mergulham profundamente na cor. "

Tal como noutro filme, também aqui a cor assume papel primordial e parece que define melhor as personagens que os outros elementos que nos vão sendo dados. Na verdade, este dispositivo nem sequer é novidade. Já em Traffic a fórmula era utilizada, mas se ali as histórias aconteciam paralelamente e a determinada altura se juntavam, aqui, o dispositivo permitiria ser consequente, ou seja: contar uma e depois outra e depois outra. É que não há mais história depois desta que é contada. E isso sente-se. Sente-se que a formula encontrada para contar a história existe para a suportar e não o contrário e esse efeito anula a surpresa, o climax, a tensão... poder-lhe-íamos chamar o anti-climax já que tudo se prevê, tudo se desconfia, tudo se liga. O filme é deixado ao abandono da força das interpretações e toma-se nelas para não dar mais. É pena, e é pena porque gostávamos de acreditar que o filme é mais importante que as personagens e que elas só existem porque se quis fazer desta uma história.
Sean Penn é portentoso, mas é-o sempre. Entre Mystic River e 21 grams , a escolha é difícil creio, mas entre um pai traído e um homem perdido, escolho o primeiro. Naomi Watts é secreta, entusiasmante, difícil e perturbadora. Benicio del Toro é pesado, presente, impenetrável e ambíguo. Mas depois, mergulhados na cor, são deixados sozinhos. E a isso olhamos desconfiados.

Das razões teóricas e das forças filosóficas subjacentes, pouco sinto. Há o caos, mas até ele procede a uma norma. Marx, aqui, não tem razão. Quando se aproxima o caos, tentamos fugir. E quando não se sabe sair do caos, fica-se nele. E nele, há duas soluções: a implosão e a explosão. Aqui ficam a meio termo. Quase que se quer acreditar que o último suspiro de Sean Penn é de alívio. Implodiu. Os outros ficam. Mas sem nada para dizer. E nós ali tanto tempo a querer ouvir.

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