PRÉMIOS PARA QUE VOS QUERO
Mesmo concordando com parte dos argumentos apresentados pelo Tiago e menos com os de Pulido Valente, no essencial discordo. Acho que o Silva Melo fez muito bem em recusar o dito Prémio. Ontem, o Luís Miguel Cintra e a Lúcia Sigalho serviram-se do prémio para fazerem o seu protesto. Hoje, Silva Melo fá-lo de outra forma, mas o conteúdo continua a ser o mesmo.
É para mim revigorante saber que há quem possa recusar um prémio apenas por protesto. Recusá-lo porque sim, porque quem o dá não merece a pretensão de que pode atribuí-lo. Independentemente de tudo o resto, independentemente dos subsídios que os Artistas Unidos (e não o Silva Melo) têm recebido nos últimos anos, o criador teve um acto político, cuja validade e mérito (sim, mérito) passam por destruir a imagem deste governo idiota que nos rege.
Neste momento, ao artista cabe a tarefa essencial de resistir. Não basta criar, é preciso ter uma dimensão social e política muito mais global e envolvida. Hoje é muito mais arriscado ser artista, mas também muito mais genuíno. E quando digo genuíno, não falo de autenticidades existenciais de barriga cheia, falo mesmo de penúria económico-financeira. Provavelmente o mérito dos exemplos citados pelo Tiago (em post anterior) da Lúcia Sigalho e do Luís Miguel Cintra é que se aproveitaram do prémio para criar, e ainda assim manter o seu protesto. Nisso foram muito mais inteligentes. O meu favorito é mesmo o da Lúcia Sigalho, pois atinge completamente a ferida, aponta o dedo à hipocrisia destes prémios. Não serve mesmo para nada um prémio se se estiver a morrer à fome. Antes os prémios póstumos. Hoje o Jorge Silva Melo pode não ter sido tão inteligente, mas fez aquilo que se esperava dele, cuspir na autoridade, cuspir na condescência arbitrária dos senhores do poder. O facto de o fazer não invalida a justiça dos prémios atribuídos, com toda a certeza bem merecidos, apenas os delega para o plano em que realmente estão – no plano do dinheiro e do poder.
Para mim, é um sinal de optimismo ver um dos mais “oficiais” artistas do nosso país (como bem indica Vasco Pulido Valente) ter um gesto tão solidário e solitário como este. O que condenam e acusam em Silva Melo é o que mais gosto nele: a arrogância de se achar merecedor de tudo o que o Estado lhe possa dar excepto um prémio. Ele vive na plena consciência que é um direito intrínseco ser suportado pelo Estado, mas nunca, mesmo nunca, ser reconhecido por um poder político. Essa arrogância é imprescendível para tapar a boca aos senhores do poder. Eles que tenham a humildade de se calar e de se colocarem no seu lugar.
Vivam os artistas! Obrigada, Jorge Silva Melo!
segunda-feira, fevereiro 02, 2004
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