Um dia como os outros
Há dias assim, em que a uma nuvem se segue outra nuvem e a vida parece não ir sofrer grandes alterações. Mas assim, como se não fosse nada, alguém decide invadir uma escola - a sua escola - e disparar sobre tudo e todos. No fim, e em jeito de imolação, suicidam-se. Não restam provas, factos, razões ou pretextos. Só o curso normal da vida desviado.
O que Gus van Sant faz em Elephant - Palma de Ouro em Cannes - é criar, a partir do facto simples e do gesto inconsequente de se ser adolescente num liceu não referenciado algures na América, um mosaico de histórias vazias de conteúdo mas plenas das questões prementes de se ser jovem, americano e estudante. Como se nada fosse mais importante do que isso. E o soco no estômago que van Sant nos dá, que nos leva a curvar e ficar indisposto, é tanto mais impressionante quanto a leveza somente aparente do filme. Não há culpa, erro, falha ou medo. Há um dia que é diferente dos outros.
Na gerência das tensões que o espectador vai criando, querendo identificar os assassinos através de comportamentos inócuos, Gus van Sant ensina-nos que não vale a pena tudo saber, tudo conhecer. O perigo pode estar sentado ao nosso lado. E o próprio perigo não saber ainda disso. Artista iconoclasta, em que as liberdades artísticas são levadas ao extremo, o realizador permite-se metaforizar acerca do masacre de Columbine, atribuindo-lhe contornos pouco definidos e que deixam o espectador desprotegido.
Um filme obrigatório, sobretudo para quem não consegue viver sem esconder que sabe o que se seguirá. Em Elephant a surpresa, o espanto, o horror e o choque está mais no espectador e na sua ingenuidade que nos dois rapazes que mataram os colegas em Columbine.
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