La nave va...
A Zero em Comportamento vai acabar. Recebo um e-mail de desabafo. Envergonhem-se, pois, os que nada fizeram para que tal não sucedesse.
"A Zero em Comportamento tem passado anos de
sacrifício, a viver com o credo na boca, sempre na eminência do dinheiro da bilheteira não chegar para pagar as contas. Estivemos dependentes das
flutuações dos humores do público, da chuva, do frio, do calor, dos jogos de futebol na televisão, das estreias do cinema comercial ou dos ciclos de outros cinemas; dependentes dos humores da crítica e do espaço disponível nos jornais, nas rádios ou nas televisões; dependentes ainda da nossa capacidade de distribuir pela cidade os folhetos e os cartazes com a programação, de os enviar a tempo pelo correio ou email. Estamos cansados porque os donos do Cine-Estúdio 222 não resolvem os imensos problemas que aquela sala, de imenso potencial, tem. Sabemos bem
que, por causa das condições da sala, este projecto que tanto trabalho e gozo dá, estava, desde o ínicio, sujeito ao insucesso. E estamos fartos de, sistematicamente, recebermos reclamações de pessoas a dizer que a sala cheira mal, que as cadeiras são desconfortáveis, que chove lá dentro, que a projecção é má, etc etc etc... e de sabermos que é verdade!!!
Estamos cansados de nos dizerem que o nosso projecto é fantástico, maravilhoso, único, etc, etc, etc, mas que é uma pena ser feito naquela sala e de, por isso, nos pedirem, suplicarem, ordenarem, que mudemos de sala e perante a pergunta: “Mas para que sala?”, só ficar o silêncio, por falta de alternativas ou de ideias... E por isso termos de responder: “pois é, a sala é má, mas é a única....”.
Finalmente, estamos cansados e desmotivados por, há que tempos, ouvirmos a Câmara Municipal de Lisboa ou o ICAM dizerem que, de facto, o nosso projecto é fantástico, maravilhoso, único, que merece de ser apoiado, mas até hoje não terem contribuido com nada de concreto! Por isto tudo e por muito mais que fica por dizer, decidimos parar. Vamos deixar de programar o Cine-Estúdio 222. O projecto “Zero em Comportamento” vai ficar congelado até melhores dias.
Até haver outras condições para se trabalhar. Até alguém finalmente tomar decisões a sério, e não apenas de fachada, e nos alugar, disponibilizar ou oferecer, em condições aceitáveis, uma sala de cinema condigna para fazermos um programa por ano, por cada seis meses, por mês, semana ou dia. Ou então, até alguém perceber que é mais importante haver projectos culturais que se afirmam no dia-a-dia, durante o ano inteiro, do que eventos fugazes, esporádicos, que levantam imensa poeira mas que não deixam ficar nada depois de acontecer. Mas, enfim, há quem prefira ouvir as cigarras do que reparar no trabalho da formiga...
Paramos, mas fazêmo-lo de consciência tranquila porque, ao longo destes anos (e já passaram seis desde o primeiro filme que exibimos no 222), provámos que há públicos para as mais diversas ofertas de cinema (sejam curtas, documentários ou longas dos países mais improváveis). Basta ter vontade e saber chegar a eles (aos públicos e aos filmes). E quem tiver memória lembrar-se-á, por certo, da oferta de cinema que havia nesta cidade e poderá comparar com o que há hoje... Mas sabemos também que quem tem a iniciativa, desbrava o terreno e lança as sementes, não é necessariamente quem colhe os frutos...
Um grande obrigado a cada um(a) e a todos os que nos foram impulsionando, encorajando e criticando ao longo destes tempos. Isso significa que fizemos a diferença e no fundo isso é mesmo a única coisa que interessa...
Encontramo-nos por aí!
Rui Pereira
(Zero em Comportamento)"
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