quinta-feira, outubro 09, 2003

O peixe e a Água

Podia ser o título de uma parábola, ou talvez seja, mas foi uma metáfora utilizada por Frederico Lourenço para definir a sua posição face às questões de classificação que a sua trilogia romanesca, que entretanto se viu alargada, precisamente, com o 3º livro da história do camonista Nuno Galvão. à  beira do mundo é, assim, o capí­tulo final - a chave - nesta história de amores académicos e homossexuais, sem que nenhum destes aspectos seja o mais relevante no que se conta, mas somente linhas por detràs da construção da história.

Falou, ontem, em jeito de introdução ao universo de Frederico Lourenço, o romancista - além do professor, do tradutor ou do melómano, entre tantas definições - Osvaldo manuel Silvestre, no auditório da FNac-Colombo, sobre a transparência das emoções e de como isso se reflecte nas personagens, espelhos uns dos outros, sem o saberem ou sem o serem, por vezes. Mais além do que a 1ª leitura - sempre breve - possa ir, o crí­tico e editor salientou aspectos que, estando presentes na obra do escritor - o universo académico, as relações homossexuais, a formação individual, o elitismo das classes média/alta - não a condicionam, antes a elevam para um registo maior que as próprias palavras utilizadas para contar a história. Não sem, no entanto, deixar de frisar que tais classificações impedem a boa performance dos livros no mercado editorial.

E Frederico Lourenço, do alto da fragilidade emocional de quem fala de uma criação e fascinado com o mundo que "inventou" - personagens que lhe resolvem alguns problemas e trabalham questões para as quais ele considera, por vezes, não ter mão - confessou o quão perplexo ficava ante a classificação dos seus livros. Porque seria, precisamente, como perguntar ao peixe como é que definia a água. Ora, nem o peixe sabe viver sem água, nem Frederico Lourenço sabe falar de outras coisas que não lhe sejam naturais.

É por isso que os ombros encolhidos, as mãos abertas, os olhos vagos dizem muito mais e definem um trabalho onde o pormenor de certas passagens - e o prazer em criar situaçõees limite a partir do quotidiano - são bem mais importantes que um resultado, quem sabe falacioso - e quem é que não utilizou já uma falácia esperando que ninguém notasse o salto na argumentação, questionou Osvaldo Silvestre, entre olhares cúmplices da assistência.

Mas ainda que Frederico Lourenço não se importe com as vicissitudes das classificações, Gastão Cruz, presente entre o público, afirmou que a discriminação positiva a que o autor era sujeito, o impedia de chegar a um público mais vasto, assim como Camilo ou Eça chegavam, precisamente por não verem a sua condição sexual incluída no rol das apreciações. Osvaldo Silvestre remeteu a questão para o ensaio que Eduardo Pitta preparou para a Angelus Novus a propósito da homossesualidade na literatura portuguesa. porque, concluiu Osvaldo Silvestre, entre abespinhada argumentação com Gastão Cruz que existem poetas gays e gays que escrevem poesia.

Mas, como afirma o autor, Frederico Lourenço, e ainda que não se possa deixar de pensar que, efectivamente, por mais que se pretenda fugir aos estereótipos e classificações, a sua encantadora e iluminada trilogia - o percurso de Nuno Galvão - é, como definiu, com ironia o apresentador da obra, um romance snob, elitista, gay, académico e falacioso. Mas tudo isto não passam, afirmo eu, de linhas de leitura numa história de amores mais profundos que o previsível, com reflexos através dos tempos e algumas premonições arrepiantes. E é na leitura global que se encontra a beleza, inclassificá¡vel, da história. Tal como Frederico Lourenço, o romancista, éo conjunto de outros tantos Fredericos Lourenços.

Aguarda-se, ansiosamente, por conhecer outras facetas.

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