Quase monstros
Análise ao espectáculo The Scum Show (Inestética - Companhia Teatral)
9ª Mostra de Teatro de Almada
Auditório Fernando Lopes Graça
15 Fevereiro 2005
21h30
O espectáculo convidado da 9ª Mostra de Teatro de Almada parte de convocações de materiais não-teatrais, para desenvolver um espectáculo que apele a um público eminentemente crente na função social do teatro como divertimento. E, em última instância, que apele a essa função para questionar o lugar do teatro.
The Scum Show, utiliza como ponto de partida o livro de contos fantásticos de Tim Burton "A história melancólica do Rapaz Ostra", para apresentar um universo de deslocados e figuras bizaras. Uma parada de monstros para questionar os limites da aceitação do outro, do estranho, do não-conforme. Trabalha, por isso, uma ideia de sociedade ideal que se sustenta na recusa do que não é convencional. E fá-lo não numa linha miserável e realista, mas antes plena de um humor negro que dá novo sentido à expressão reality-show. Ou seja, olhar para uma realidade como o resultado de uma plasticidade oca e superficial. E perceber o que esconde. Trabalhar o iceberg, como defende o encenador Alexandre Lyra Leite na folha de sala.
A proposta é, assim, um lugar de fascínio e fantástico, onde os limites do outro não acabam onde começam os nossos. Antes pelo contrário, começam aí. Toda a proposta multidisciplinar da Inestética parece querer caminhar para uma espécie de ópera-rock grosseira e quase tão abjecta quanto os "monstros" nela retratados. Assim sendo, desafia-se o espectador a enfrentar um humor negríssimo não pelo sarcasmo da "coisa" mas pelas questões de fundo que se podem levantar e que são apontadas na folha de sala: 'como aceitar a diversidade numa sociedade marcada pela crescente imposição de modelos comportamentais e culturais? Por outro lado levanta-se a questão ética da clonagem e do estudo da genética. Será que o futuro está reservado para seres padrão, reflexo da sociedade que os cria à sua imagem?'.
A banda sonora original da responsabilidade dos The Gift, associada a um trabalho plástico fortíssimo, transporta The Scum Show para uma realidade paralela que, depois da graça inicial se vai tornando mais incómoda. Sobretudo porque os argumentos utilizados para defesa das posições das personagens pecam por consistência. Mas afinal estamos no domínio do surreal. E aí de pouco servem as regras dos humanos. Portanto, as personagens são expostas ao seu ridículo por justaposição e não confrontação.
Contudo, The Scum Show, parece recear as dimensões da própria proposta, no sentido em que não só termina antes de envolver completamente o espectador, como se parece escusar a aprofundar as questões que levanta. Como se se aprisionasse na superficialidade dos argumentos e deles parecesse não se conseguir libertar. Seja porque opta por uma redução ao mínimo das histórias de Tim Burton (que aparecem em forma de coro para a principal) ou porque provoca uma distenção no tempo, não para forçar as potencialidades dos elementos convocados, mas antes por recusa dessa ideia de envolvência.
Radicado numa corporalidade cartoonesca, num trabalho de luz focado nos "monstros", na plasticidade e na já referida banda sonora, The Scum Show apresenta estes elementos algo desgarrados já que são poucas as vezes em que contribuem para uma harmonia cénica. E, assim, o espectador é deixado a fazer a ligação dos elementos sozinho, restando-lhe apreciar as potencialidades do musical kitsch que as figuras protagonizam e depender da interpretação espectral e quase "nosferatiana" de Peter Michael.
O espectáculo parece, assim, passar-se lá muito longe, num misto de Música no Coração e Feiticeiro de Oz que só não encanta porque sabe a pouco. Perde-se portanto, a oportunidade de elevar o espectáculo a uma outra categoria: o fantasmático. Uma categoria que incutisse o medo da realidade referida não ser tão paralela assim. Sobretudo porque somos avisados no início de que The Scum Show é um espectáculo diferente. E nas fantasias oníricas não queremos que nos saiba a pouco. Antes pelo contrário.
Análise ao espectáculo The Scum Show (Inestética - Companhia Teatral)
9ª Mostra de Teatro de Almada
Auditório Fernando Lopes Graça
15 Fevereiro 2005
21h30
O espectáculo convidado da 9ª Mostra de Teatro de Almada parte de convocações de materiais não-teatrais, para desenvolver um espectáculo que apele a um público eminentemente crente na função social do teatro como divertimento. E, em última instância, que apele a essa função para questionar o lugar do teatro.
The Scum Show, utiliza como ponto de partida o livro de contos fantásticos de Tim Burton "A história melancólica do Rapaz Ostra", para apresentar um universo de deslocados e figuras bizaras. Uma parada de monstros para questionar os limites da aceitação do outro, do estranho, do não-conforme. Trabalha, por isso, uma ideia de sociedade ideal que se sustenta na recusa do que não é convencional. E fá-lo não numa linha miserável e realista, mas antes plena de um humor negro que dá novo sentido à expressão reality-show. Ou seja, olhar para uma realidade como o resultado de uma plasticidade oca e superficial. E perceber o que esconde. Trabalhar o iceberg, como defende o encenador Alexandre Lyra Leite na folha de sala.
A proposta é, assim, um lugar de fascínio e fantástico, onde os limites do outro não acabam onde começam os nossos. Antes pelo contrário, começam aí. Toda a proposta multidisciplinar da Inestética parece querer caminhar para uma espécie de ópera-rock grosseira e quase tão abjecta quanto os "monstros" nela retratados. Assim sendo, desafia-se o espectador a enfrentar um humor negríssimo não pelo sarcasmo da "coisa" mas pelas questões de fundo que se podem levantar e que são apontadas na folha de sala: 'como aceitar a diversidade numa sociedade marcada pela crescente imposição de modelos comportamentais e culturais? Por outro lado levanta-se a questão ética da clonagem e do estudo da genética. Será que o futuro está reservado para seres padrão, reflexo da sociedade que os cria à sua imagem?'.
A banda sonora original da responsabilidade dos The Gift, associada a um trabalho plástico fortíssimo, transporta The Scum Show para uma realidade paralela que, depois da graça inicial se vai tornando mais incómoda. Sobretudo porque os argumentos utilizados para defesa das posições das personagens pecam por consistência. Mas afinal estamos no domínio do surreal. E aí de pouco servem as regras dos humanos. Portanto, as personagens são expostas ao seu ridículo por justaposição e não confrontação.
Contudo, The Scum Show, parece recear as dimensões da própria proposta, no sentido em que não só termina antes de envolver completamente o espectador, como se parece escusar a aprofundar as questões que levanta. Como se se aprisionasse na superficialidade dos argumentos e deles parecesse não se conseguir libertar. Seja porque opta por uma redução ao mínimo das histórias de Tim Burton (que aparecem em forma de coro para a principal) ou porque provoca uma distenção no tempo, não para forçar as potencialidades dos elementos convocados, mas antes por recusa dessa ideia de envolvência.
Radicado numa corporalidade cartoonesca, num trabalho de luz focado nos "monstros", na plasticidade e na já referida banda sonora, The Scum Show apresenta estes elementos algo desgarrados já que são poucas as vezes em que contribuem para uma harmonia cénica. E, assim, o espectador é deixado a fazer a ligação dos elementos sozinho, restando-lhe apreciar as potencialidades do musical kitsch que as figuras protagonizam e depender da interpretação espectral e quase "nosferatiana" de Peter Michael.
O espectáculo parece, assim, passar-se lá muito longe, num misto de Música no Coração e Feiticeiro de Oz que só não encanta porque sabe a pouco. Perde-se portanto, a oportunidade de elevar o espectáculo a uma outra categoria: o fantasmático. Uma categoria que incutisse o medo da realidade referida não ser tão paralela assim. Sobretudo porque somos avisados no início de que The Scum Show é um espectáculo diferente. E nas fantasias oníricas não queremos que nos saiba a pouco. Antes pelo contrário.
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