segunda-feira, fevereiro 14, 2005

A última vítima do fascismo

Andei hoje com esta ideia: a irmã Lúcia é a última vítima do fascismo a libertar-se da longa noite cinzenta. Atirada para uma cela em nome da fé, viu construir-se um mito e um país por algo que viu quando criança. Não está em causa o que viu, se viu ou não viu. Está causa o facto de se ter desenvolvido uma campanha de medo, receio e temor que moldou os portugueses como figuras pequenas, pobres de espírito e desistentes.

Se há algo que se possa dizer em relação à morte desta mulher é a liberdade que, finalmente atinge. e que nada tem a ver com a fé, ou a passagem para outro mundo. Prende-se antes com o fim de um corpo que foi usado em nome de políticas de enclausuramento e fé desmedida. E prende-se, ainda, com o medo de algo que, afinal, faz parte da evolução do mundo.

Fátima fez de Portugal um país que não existe. Um país que vive de epifenómenos. Com Amália a morrer nas últimas legislativas e Lúcia agora, a lógica será que Eusébio morra noutro período de campanha. Que Portugal resistiria depois disso?

E que Portugal se quer formar agora, com o cancelamento das acções de campanha? Volto a dizer: é sinal de falta de ideias, ausência de responsabilidades e distanciamento com os problemas.

Em vez de luto nacional, porque não se declara o estado de calamidade pública para um Alentejo seco, por exemplo? Como se pode afirmar que por uma questão de fé se declara luto nacional e, ao mesmo tempo, se deixa que as pessoas se percam em procissões e rezas para pedir chuva?

Portugal empobrecido. Portugal inexistente. Portugal que não tem a ver com a fé. Portugal cego. Portugal de ontem. Portugal perdido.

A irmã Lúcia não quereria isto, certamente.

1 comentário:

ana vicente disse...

Não é uma questão de fé. A fé não tem nada a ver com o aproveitamento político desta mulher... desde o fascismo até esta palhaçada política que agora estamos a viver.
Nem sequer Fátima é uma questão de verdadeira fé.
E temo que não haja realmente ainda uma última vítima do fascismo em Portugal. Ainda nós estamos a pagá-lo, ainda nós somos vítimas, carrascos da nossa própria sorte. Nas mentalidades e nos corações, sofremos ainda da "longa noite cinzenta".
Para quando a nossa revolução?