quinta-feira, fevereiro 03, 2005

A campanha que temos

Dois textos sobre o momento que vivemos. É a blogosfera como espaço de reflexão, livre dos condicionalismos editoriais.


O eufemismo, por João O. (Renas e Veados)

A campanha eleitoral tem descido ao nível mais reles possível. Desde as declarações dos colos, aos comícios machistas para audiências de mulheres, até à saliência que a vida privada de um dos candidatos assumiu na campanha, a chicana (palavra tantas vezes usada por quem se tem aproveitado dela) tem sido o tom basicamente utilizado. Desde os cartazes até às declarações do primeiro-ministro nomeado e demissionário, a estratégia de veicular a mensagem de que há algo errado com Sócrates tem sido a estratégia utilizada. O que é que afinal há de errado com Sócrates? A existência de um boato sobre uma suposta homossexualidade, que nunca é suficientemente explicitado por parte de Santana, que tem feito campanha à custa desse boato.

Ora o meu propósito não é sequer discutir o teor desse boato, mas o facto de não se conseguir pronunciar sequer a palavra. Nos debates, na imprensa, nas comunicações de campanha, fala-se do "boato que me escuso a mencionar", da "vida privada do candidato que é com ele, e que é como a minha", das "opções de cada um", usando estes eufemismos para falar de um suposto terrível segredo escondido que poderia abalar as raízes do sistema nacional-moralista em que vivemos. Continuando a afirmar o meu total desinteresse na cama e nas escolhas de parceiros e de parceiras dos actuais candidatos, parece-me que esta situação diz muito sobre o modo como a maioria dos políticos (o género aqui é masculino, não é neutro), pensam a homossexualidade. Que é algo de mau, que faz em privado, longe dos olhares indiscretos e que nem deve ser mencionado, sob pena de fortes danos eleitorais.

E para manter um discurso socialmente aceitável (até porque ser homófobo abertamente é já dificilmente aceitável em muitos círculos da sociedade portuguesa), um eufemismo impõe-se. E agora virão (já vieram) em procissão afirmações sobre a indignidade da afirmação (o que acho correcto, porque lesivo do direito à intimidade) e defender Sócrates dessa grande ignomínia, que é pensar que este poderia ser homossexual (o que é uma tontice discriminatória). Quanto a Sócrates, só gostaria que este afirmasse o seu direito à intimidade, mas que alertasse que ser homossexual só é um problema, em situações anti-democráticas. E que pretende ver respeitada a sua vida privada. Esta seria uma medida pedagógica, honrosa e democrática e que até evitaria que Santana e quejandos voltassem a cair neste erro, que é andarem a indagar da vida privada dos outros.

Era importante que a sexualidade reentrasse no debate por outra via, para se poder falar e mais tarde legislar sobre modos democráticos de afirmação que tod@s temos o direito de sermos o que quisermos e que o Estado apoia esse nosso direito. Como aliás está consagrado no artigo 13º da Constituição, que aguarda transposição para legislação específica de combate contra a discriminação, nomeadamente na abolição do casamento e da adopção como privilégios heterossexuais.

O que é certo é que a estratégia de colar o outro candidato à homossexualidade foi tiro que saiu pela culatra a Santana. A maioria dos comentadores condenaram esta posição de campanha e o próprio Santana começou estratégias de circunscrição dos danos, falando em outros "problemas" sociais como a clonagem e a eutanásia, para emparelhar com o casamento de gays e lésbicas e com o aborto. Para atirar areia para os olhos das pessoas. Como sempre tem feito.


João O


O dilema resolvido, por Pedro Oliveira (Barnabé)

O desconforto instalou-se nas fileiras do PSD. O espectáculo indigno oferecido por Santana Lopes nesta pré-campanha envergonha qualquer militante bem-formado do partido de Sá Carneiro e Cavaco Silva.

O embaraço destas pessoas é compreensível. Por um lado, desejam ardentemente que a carreira política de Santana Lopes termine na noite de 20 de Fevereiro - e todos nós sabemos que isso só acontecerá se a derrota for estrondosa, (digamos, abaixo dos 30 por cento). Por outro lado, uma derrota demasiado expressiva pode significar a maioria absoluta do PS e, se as coisas correrem bem ao engenheiro Sócrates, um longo jejum em termos de exercício do poder.

Se isto é duro para todos os partidos, para o PSD é-o ainda mais, por razões que têm muito a ver com a composição social dos seus militantes e quadros e a sua aversão ao debate e confronto ideológico.

Se este dilema é complicado para os militantes anónimos, imagino o que seja para os “notáveis”. O mais destacado destes é, sem dúvida, José Pacheco Pereira. Colunista num diário e num semanário, colaborador num programa da SIC-Notícias, e autor do segundo blogue político mais lido em Portugal, Pacheco Pereira não se pode remeter ao silêncio como outras figuras do PSD hostis ao santanismo. Aqui há umas semanas, JPP anunciou que iria votar em Santana Lopes para primeiro-ministro, por acreditar acima de tudo no “projecto político do PSD” (cito de cor). Apesar das coisas extraordinariamente violentas que escreveu acerca de Santana, a posição de Pacheco tem de ser respeitada. A militância partidária implica um certo grau de disciplina e obediência.

No entanto, os eventos dos últimos dias parecem ter provocado um sobressalto em JPP e muitos outros militantes laranja. O desvario de Santana Lopes é de tal forma inquietante que a simples perspectiva do homem se agarrar ao poder depois do dia 20 com base num resultado “honroso” deve tirar o sono a muito boa gente.

Ora, eu tenho uma sugestão para os militantes do PSD. Boicotem Pedro Santana Lopes em Lisboa. Se estão recenseados no distrito de Lisboa, não participem em acções de campanha e no dia 20 votem em branco. Se puderem, apoiem os vossos candidatos noutros distritos, pelo menos aqueles que vos ofereçam garantias de seriedade e dignidade política. Aliás, algumas figuras não-alinhadas com Santana já o começaram a fazer, como António Borges no Porto.

Eu não tenho os números bem presentes comigo, mas suponho que o PSD deverá ter elegido uns 20 ou 30 deputados por Lisboa em 2002. Se conhecer uma hecatombe na capital, o caso será grave mas não desesperado. Bons resultados noutros distritos ajudariam a limitar os danos. A derrota do PSD seria interpretada como uma derrota pessoal de Santana Lopes, facilitando assim a emergência de uma alternativa à sua liderança.
Em suma, mais grave do que perder umas eleições é perder a alma. Não deixem que isso aconteça ao vosso partido.


Pedro Oliveira


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