sábado, janeiro 13, 2007

Patrice Chéreau em entrevista


O coreógrafo alemão Raimund Hoghe desloca-se este fim de semana no Porto para uma série de encontros integrados na programação que o Auditório de Serralves programou em complemento à exposição Anos 80, que até 27 de Março se mostra no Museu. Hoje, às 22h00, Hoghe apresenta Lecture Performance, que parte do texto Atirar o corpo para a luta, de Pasolini. E amanhã comenta o filme L'Homme Blessé, (na foto) do francês Patrice Cheréau, obra marcante sobre a dependência amorosa em tempos de sida.

Por uma coincidência temporal, o site do Teatro Nacional de São Carlos, disponibiliza uma entrevista inédita de Augusto M. Seabra ao realizador do filme, realizada em Outubro, altura em que Chéreau veio a Lisboa ler, exactamente no S. Carlos, A Lenda do Grande Inquisidor, um excerto da obra Os Irmãos Karamazov, de Dostoievsky. A entrevista percorre os quarenta anos da carreira deste realizador, encenador de teatro e ópera e raro actor, cruzando referências, métodos de trabalho, processos criativos e recepções. O excerto que a seguir se transcreve, com autorização do autor, refere-se precisamente ao filme L'Homme Blessé.


Os seus três filmes que mais me tocam, L'Homme blessé, Intimidade e Son Frère, são todos digamos que «filmes de câmara», muito próximos, nalguns momentos mesmo extremamente próximos dos actores, dos corpos, das faces. Não posso deixar de ter presentes a face estupefacta e indagadora de Jean-Hugues Anglade em L'Homme blessé ou as cenas de sexo em Intimidade. Será a câmara um modo de desvendar?

- Certamente. Parece-me que com frequência a câmara mergulha numa face, num olhar, entra por portas fechadas. Não se desvenda tudo, se os actores são bons há um mistério que resta. Foi o que senti em Intimidade: eles dois estavam nus e ao mesmo tempo o segredo dos actores, o segredo das almas, estava intacto. Desvenda-se, mas há um segredo ainda um pouco mais além; mas é belo tentar desvendar o que há por detrás de um olhar, de corpo, de uma presença, e de lhes ser receptivo, de ser receptivo aos seres.

- Ser-se impúdico, é uma questão que se pode colocar a certo momento?

- É preciso ser-se impúdico! Sou uma pessoa muito pudica, mas não tanto no que conto. A próxima etapa é um filme que estou a tentar escrever - e a tentar algo que nunca fiz, escrever de modo quase directamente autobiográfico. «Estou» em todos os meus filmes, mas não de modo claro, e neste tento «estar» claramente.

- Creio que a questão também se lhe pode colocar pelo laços particulares que manteve com Bernard-Marie Koltès e Hervé Guibert, ambos já falecidos, e ambos por problemas originadas pela Sida. E com Guibert a questão do «impudor» pôs-se mesmo em termos radicalmente novos, no modo como se expôs na doença, filmando-se e dando-se a ver até praticamente à morte, em La Pudeur ou l'impudeur.

- Enquanto Koltès, antes pelo contrário, foi muito reservado. O modo como Hervé se expôs foi muito belo. Ele sempre foi o tema central dos seus livros.


- Em parte sim - no caso era ele e eu [L'Homme blessé, de 1983, que o realizador considera como sendo de facto «o seu primeiro filme», tem argumento de ambos, Patrice Chéreau e Hervé Guibert]. Com Hervé houve uma conjunção muito bizarra: ele sempre se interessou pela decomposição do corpo, pela degradação, pelas doenças e a destruição do corpo - e ficou ele doente. O que sucedeu foi que tendo sido atingido pela doença, tinha os instrumentos literários para falar dela, e para se tornar ainda mais na sua própria matéria de estudo, porque bruscamente essa degradação do corpo que o obcecava tornara-se a sua. Ele não se esquivou, a doença tornou-se o prisma com que passou a olhar a vida, e foi nesse momento que escreveu os seus mais belos textos.

- Mas ele não escreveu apenas À l'ami qui ne m'a pas sauvé la vie, ou O Protocolo Compassional, ou mesmo o Diário de uma hospitalização; já fazia fotografias, ainda mais se auto-retratou, e inclusive fez esse filme, La Pudeur ou l'impudeur, com a exposição do seu processo de degradação.

- É um filme estranho, mas ele sempre tinha querido fazer um filme. Depois de L'Homme blessé escreveu um argumento para Isabelle Adjani que queria ele próprio dirigir. Havia nele desde sempre um desejo de cinema, e portanto pegou numa câmara quando estava prestes a morrer e foi esse o seu filme.


A entrevista pode ser lida, na íntegra, no link Augusto M. Seabra entrevista Patrice Chéreau, disponível no site do TNSC. Links e selecção deste post da responsabilidade do blog.

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