Vermelho Transparente
de Jorge Guimarães
Encenação de Rui Mendes
Sala-Estúdio do Teatro Nacional D. Maria II
17 Setembro 2006, 16h15
Sala cheia
Em cena até sábado, 23 Dezembro
Vermelho e negro
«Vermelho Transparente» é o exemplo clássico de uma dramaturgia que se limita a cumprir as regras impostas a um género familiar ao cinema, o film noir. A tensão dos corpos, a luz recortada e incisiva, os figurinos clássicos, o cenário realista, as frases lapidarmente construídas, os não-ditos, os jogos de sedução, os fetiches, os conflitos interiores, a música que sai dos violinos arrepiados, as referências genéricas, a guerra dos sexos, os cigarros, os espaços concentrados, as fobias… está lá tudo.
A história é um clássico. Uma mulher, Mercedes (Helena Laureano) apresenta-se a um psicanalista (Luís Esparteiro) como alguém com dificuldades em conviver com a imagem impositiva da irmã gémea, Dora, amante do seu marido que aparecerá morto. Nem uma nem outra são capazes de se lembrar quem o matou. A acção decorre no período de tempo necessário ao psicanalista para começar a suspeitar que Mercedes e Dora são a mesma mulher e que existe ali um recalcamento emocional derivado da má relação com o pai. Depois vem-se a descobrir que, afinal, o marido se suicidou. Será tarde demais porque ela, já no hospital psiquiátrico por recomendação do juiz, se sente incapaz de reconhecer a absolvição e acaba por se matar, não sem que antes culpe o médico por não se ter deixado seduzir.
Se esta variação sobre a mulher perdida e duplamente traída nunca sai de uma mediania reconhecível, tal deve-se a um problema nítido na construção do texto que se enreda em frases feitas e enrola o desenvolvimento da acção. A dado momento começamos a pensar que aquelas duas personagens – a sedutora esquizofrénica e o psicanalista competente - tomaram o gosto às grandes tiradas dramáticas que não significam nem levam a nada. Por exemplo: “a razão é uma puta, vai com quem lhe paga”, “você é um mundo. O mundo todo é você” (diz ele), “eu sou uma abstracção” (responde ela), “todos nós já fomos polícias” (ele), “não, todos nós já fomos criminosos” (ela), “um rosto sem vida é como uma máscara de papelão”, “você é puritano?” (ela), “não, sou psicanalista” (ele), “nada é totalmente subjectivo ou totalmente objectivo”, “a virgindade é uma ideia do povo, não tem nada de científico”, “na cama é como tudo, há noites de vertigem e noites de pesadelo”, “carregar no gatilho tem um longo prefácio” ou “sem o sol o corpo apaga-se, à noite a minha pele era da cor da lua”. Há um jogo de salão que quer passar por pretensa sedução e se diverte com expressões mais ou menos sujas - “fornicar”, “cópula”, “gaja”, “comidela”, por exemplo - , que propositadamente desviam a atenção da fleuma em que estão mergulhados os corpos, como se quisessem mostrar o gozo que lhes dá (às personagens) usá-las.
Se se lamenta uma certa incapacidade em libertar o texto dessa formalidade, sobretudo na evidência em opor a elegância de Mercedes com o estouvamento de Dora, já a encenação de Rui Mendes, fluida e discreta, conjuga, acertadamente, os flash-backs e as credíveis recriações em off com a composição dos actores, sobretudo Helena Laureano que se desdobra maturamente nas duas irmãs de difícil feitio. De registar ainda a desnecessária banda-sonora a piscar o olho a Kubrick e o realismo banal dos figurinos. Tudo somado, é claro o objectivo de entretenimento do espectador numa tarde de fim de semana o que, bem vistas as coisas, não é particularmente grave. Só não é a grande aposta na dramaturgia nacional contemporânea que o TNDMII quer fazer vender.
17 comentários:
eu gostei muito do trabalho da Helena Laureano que foi para mim uma surpresa!
Faço psicanálise há muitos anos e achei o texto (não tanto a interpretação) muito bem conseguido no que toca ao psicanalista... eles falam mesmo assim... convenci a minha psi a ir ver e ela confirmou a minha sensação.
Achei interessante este trabalho...
pois eu achei uma porcaria. Teatro light no TNDMII quando a aposta era na dramaturgia portuguesa contemporânea... Para ver isto vejo na televisão. quando o público vir que a oferta é a mesma prefere ficar em casa a ver series portuguesas . Se a estratégia Fragateiro é ter telefilmes no Teatro não vai longe...
alguém escreveu algures algo sobre arte e entretenimento. pois isto como o dono do blog diz, é entretenimento, só serve para passar o tempo.
É que o sonho do fragateiro era ser um La Féria, só que não tem estaleca para tal e nem sequer é encenador.
e que tal avisar os incautos leitores de que vais relatar a história toda?!?
concordo. Já parece o Paulo Trindade do DN que conta o espectáculo todo. Não tenciono ir ver portanto não me faz diferença. Jorge Guimarães - o sr que paga para fazerem as peças dele. Vem juntar-se ao Armando Nascimento Rosas.
hihihihhi... desculpem, não queria estragar o suspense. não volta a acontecer. ó anónimo, o Paulo Trindade é do Público.
é pá, achei a laureano bem, pronto ok, é verdade que me estou a cagar para o resto da vossas questiúnculas, gosto de ver trabalho de actores, foi isso que quis dizer...
o 1º anónimo!
PS: e teatro leve e pimba era aquela coisa da mais velha profissão, lembram-se? o que eu me ri, era mau demais para ser verdade! mas bati muitas palmas às senhoras, pelas suas carreiras... enfim...
é verdade que a mais velha profissão tb era uma bela merda. mas esta não deixa de ser por isso. tb achei a laureano bem mas não tão bem que safasse o espectáculo.
"Para ver isto vejo na televisão. quando o público vir que a oferta é a mesma prefere ficar em casa a ver series portuguesas".
Então já agora diga-me em que casos é que não é preferível ficar em casa a ver séries... portuguesas ou não!
Palhaço!
vale a pena sair de casa para ver qualquer coisa que não seja maquilhada para chegar ao grande público e dramaturgia à séria e não de capricho de autor.
Para ver palhaços também. Esses assumem que piscam o olho ao público não fingindo que têm algo de interessante para dizer.
com licença,
isto é um debate de anónimos? Não é permitido identificarmo-nos? para quê? para nos podermos insultar uns aos outros?
Eu não vi o espectáculo, não conheço o autor. Li o texto pois a minha companheira é que ia fazer o papel da Laureano só que estava grávida e não deu. Não achei mau. Sou muito amigo do Rui Mendes e já trabalhei com ele. É óptimo profissional e ~por certo que a qualidade da encenação não pode ser má.
Palhaços
obrigadissimo por contares o fim. eu era para ir ver... "era"....
Eheheheheheh!
Pois...
Isto é o país do "eu era para ter ido ver"!
E dos umbigos!!!
Eheheheheheh!
Pois...
Isto é o país do "eu era para ter ido ver"!
E dos umbigos!!!
Eu vou ver o meu amigo e talvez o amigo do meu amigo e digo mal deles quando estou anónimo.
falas do tiago?
o tiago não costuma estar anónimo.
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