O encontro propunha um esforço introspectivo curioso: examinar criticamente a função e o estado da crítica em Portugal, numa altura em que esta perde visibilidade nos jornais a favor de outros espaços. O debate, realizado na passada sexta-feira, na Culturgest, em Lisboa, denotou essa transferência de visibilidade para os blogues. O seu organizador, Tiago Bartolomeu Costa, autor do blogue O Melhor Anjo, é uma das vozes críticas na área da cultura que emergiram da blogosfera. Além do organizador, fizeram parte do painel Augusto M. Seabra, Miguel-Pedro Quadrio e Maria José Fazenda. Mónica Guerreiro, consultora no Instituto das Artes [ex-crítica, Blitz], moderou a discussão.
Augusto M. Seabra (sociólogo e crítico do jornal Público) apontou a "pressão dos estereótipos mediáticos e do mercado" como causa da crescente marginalização dos espaços de reflexão na imprensa escrita. O encurtamento do tamanho dos textos e a ideia de que os jornais devem tornar-se mais apelativos deixam-no "mais céptico do que antes" quanto à sobrevivência da crítica nas suas páginas. "A imprensa encontra-se diminuída por uma situação de confronto entre o seu projecto e a sua sombra", observou. O crítico identificou ainda a tendência para cada vez mais manifestações artísticas não deixarem "rasto" na imprensa escrita. "Passam sem crítica", enfatizou. "Não se pode escrever sobre tudo, nem interessa escrever sobre tudo, por vezes nem sequer para explicar porque não são interessantes, mas isso tende a criar amnésias e zonas de esquecimento." A realidade actual, acrescentou, confronta-nos com "artistas sem arte, realizações artísticas sem memória e crítica sem teoria".
"Temos crítica a mais e não a menos", defendeu, por outro lado, Miguel-Pedro Quadrio (professor universitário e crítico do Diário de Notícias), que prefere relevar o fosso criado entre os críticos e os públicos. Na sua opinião, o público desinteressou-se por um discurso difícil de entender e fechado sobre si mesmo, demasiado centrado "em questões teóricas, metateatrais que provocam no público um afastamento das artes performativas". Por haver mais oferta do que procura de crítica é que, na sua opinião, "primeiro é preciso recuperar os públicos". Para isso acontecer é necessário dar às pessoas "algumas dicas" para pensarem sobre o que viram. "Não se trata de construir um discurso inteligente, mas sim de construir inteligência para a ler."
Maria José Fazenda, antropóloga e antiga crítica de dança [no Público], defendeu igualmente a função formativa do discurso crítico. "A crítica não pressupõe um acto de percepção diferente do que o espectador fará", afirmou. "A obra de arte é uma forma de acesso ao mundo e a crítica pode ser uma forma de acesso a essa obra." Se o olhar crítico tem algum poder actualmente, salientou, "é por usar a escrita e dar perenidade àquilo que é feito e pensado".
Já Tiago Bartolomeu Costa considerou que a crítica em Portugal sofre de uma "invisibilidade auto-imposta" resultante de um certo fechamento nos textos. Miguel-Pedro Quadrio usou uma imagem de George Steiner, sobre um pássaro que chilreia em cima de um rinoceronte, para descrever o papel do crítico: assinalar, com simplicidade, o que de importante lá vem. O que só se faz, disse ironicamente, "acumulando visitas ao Jardim Zoológico".
Pedro Neves in Diário de Notícias, 10 Setembro 2006
Fotografias de Madalena Santa-Marta
1 comentário:
Solidarizo-me com a imagem de Steiner.
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