sexta-feira, abril 07, 2006

Notas breves sobre o Le Vivat

Não será muito relevante tentar desenhar-se uma linha comum entre os vários espectáculos apresentados na última edição do festival Vivat la danse, que decorreu em Armentiéres entre 28 de Março e 01 Abril. O evento, programado por Eliane Dheygére, procurou antes dar conta do que de mais relevante se anda a fazer (e a circular), reunindo propostas de Hélène Cathala, Tiago Guedes, Fabrice Merlen, Carlotta Sagna, Christian Rizzo, Héla Fattoumi & Eric Lamoureux, Arco Renz, Emmanuelle Huyn, Eszter Salamon, Loredana Lanciano, Antoine Defoort, David Rolland e Thierry Madiot, em espaços diferentes da vila, procurando trabalhar a posição do espectador perante o objecto performático. Ou seja, o ponto de vista como base para a apreensão do espectáculo.

Menos preocupado em apresentar peças em estreia, mas antes tentando desenvolver um discurso acerca do modo como os coreógrafos pensam o lugar da dança, o Vivat la danse deu a ver, por exemplo, o papel que as novas tecnologias ocupam no discurso coreográfico (Pièze, de Fattoumi & Lamoureux), o conflito dialético (eternamente presente e por isso retórico) entre o militantismo/militarismo do ballet e do exército (Tourlourou, de Sagna) ou a relação entre artes plásticas e a dança contemporânea (Numéro, de Emmanuelle Huyn & Nicolas Floc’h). O conjunto dos espectáculos foi suficientemente amplo nas linhas em discussão, havendo alguns que perderam com a disposição cénica e coreográfica a objectividade que reivindicavam nos pressupostos dramatúrgicos: Sagna, Fattoumi & Lamoureux e Cathala, com Slogans, são disso exemplo.

Importa, por isso, fixar três exercícios de estilo que se destacaram não só pelo modo de execução, mas por estabelecerem com o espectador um diálogo dependente não só de uma resistência mas também de uma crença no espaço cénico enquanto lugar de manipulação de verdades e códigos.: …/… (b), de Christian Rizzo & Bruno Chevillon, Héroine, de Arco Renz, e Reproduction, de Eszter Salomon.

Rizzo, em colaboração com o violoncelista Bruno Chevillon utilizava o espaço para a recriação de uma atmosfera entre a instalação coreográfica e o concerto, na qual os dois corpos se perdiam em permanentes confrontos dança/música/imagem. O dispositivo híbrido (à falta de melhor termo), obedecia a uma ritualização do gesto, menos preocupado com o fundamento e mais interessado na estética. As imagens/propostas de Rizzo, sublinhadas pela banda-sonora algo improvisada de Chevillon, faziam desta uma proposta de difícil sustentação, onde o gosto pessoal tendia a sobrepor-se à apreensão crítica.

De ritual falava também Arco Renz que, com a intérprete do Taiwan Su Wen-Chi, criou um espectáculo entre a hipnose e o transe. O rigor e segurança (mas também o virtuosismo do movimento) desta surpreendente figura meio-púbere, meio-fatal transformava aquilo que era uma abstracção a partir das danças e rituais do Bali num espectáculo simplista, quando isso representa o essencial. O olhar fixado (enfeitiçado) do espectador seguia os movimentos da co-coreógrafa, dando-lhes o fundamento necessário para que pudesse ser qualquer outra coisa.

Olhares fixos eram também os das oito intérpretes da peça Reproduction, de Eszter Salomon. Cercadas pelo público e num palco hiper-exposto, os corpos destas mulheres feitas homens a fazerem de mulheres, davam a volta às teorias de cross-gender, sem caírem em discursos exagerados ou movimentos caricaturais. Na verdade, mesmo que gráfica e explicitamente sexuais, nunca eram grosseiros ou desnecessários. O equilíbrio entre reflexão e projecção dava ao espectáculo tanto uma dimensão lúdica como perturbadora. Razão pela qual a coreografia, ainda que contida, explodia em jogos cénicos por demais perversos e delirantes.

Última nota para referir que esta edição do Vivat la danse inaugurou, com a apresentação do espectáculo Um Solo, do coreógrafo português Tiago Guedes, a residência artística que este irá realizar no teatro Le Vivat até Junho 2008. O projecto inclui workshops com amadores, uma peça infantil, residências criativas com outros criadores e a estreia, em co-produção de uma nova peça no último ano de colaboração. Esta abertura à criação estrangeira, inserida numa lógica que quebra a noção de criadores nacionais permitirá o cruzamento de experiências e práticas, num diálogo atento e de risco acerca da relação entre espaços, programação e criadores. No próximo ano, em que se comemoram os dez anos de festival, a programação promete ser ainda mais ambiciosa, com o calendário alargado e colaborações estreitas entre criadores.

Este texto foi escrito com o apoio financeiro do Fundo Roberto Cimetta

2 comentários:

Anónimo disse...

HOLA - HELLO - OLA

GREAT BLOG !!!!!!!

Anónimo disse...

parabéns