quinta-feira, fevereiro 23, 2006

Criadores nacionais dizem-se alvo de censura moral




Ana Borralho e João Galante, a dupla de performers nacionais que foi convidada para apresentar a criação mistermissmissmister na edição de 2006 do festival Mira! , acusa a direcção de ter cancelado o espectáculo por censura moral.

O espectáculo de Ana Borralho e João Galante, que estreou no evento Bazar Erotik no Centro Cultural de Belém em 2002 e foi recentemente apresentado na festa de aniversário dos 15 anos da Re.Al, consiste numa performance para três intérpretes e três espectadores de cada vez, que se sentam em sofás frente a frente, estando os intérpretes (dois homens e uma mulher) nús e transvestidos (eles de mulher, ela de homem). Cada espectador coloca um par de auscultadores, e segue os movimentos dos performers a partir das diversas músicas colocadas nos mini-discs. A performance duracional obriga espectador e performer a um confronto objectivo, sexual e provocatório. É uma experiência particular na qual os performers, por vezes deixando-se levar pela resistência do espectador, questionam "as assimetrias que regulam as identidades sociais e as definições homem/mulher. O espectáculo pretende causar emoções fortes no espectador, confrontando-o com personagens cujos corpos são expostos num extremo que confunde procura fazer confundir género e identidade sexual", dizem no press-release.

Parte da polémica reside na recepção adversa que a peça Jardinería Humana, onde o encenador argentino Rodrigo Garcia trabalha sobre o mal-estar derivado das incongruências dos seres humanos, através dos corpos nús dos intérpretes e da violência cénica (havendo até intérpretes que urinam em cena). A apresentação foi alvo de contestação, houve cartazes rasgados, a imprensa polemizou a apresentação e, segundo consta, a organização do festival foi alertada para os efeitos que tal exposição poderia ter na atribuição de apoios da parte da Câmara Municipal, de maioria de direita. Foi nesse sentido que o director do Théâtre National de Toulouse (TNT), co-produtor do festival Mira!, Jacques Nichet, reclamou o visionamento prévio de todos os espectáculos programados por Jean Lebeau, director do festival Mira! e sub-director do TNT. Jacques Nichet cancelou a apresentação do mistermissmissmister depois de ver uma gravação do mesmo.

No e-mail que puseram a circular, os dois criadores acusam o festival de censura "moral e política", alertando, no entanto, para o facto do programador, Jean Lebeau ter sugerido à direcção que o espectáculo fosse apresentado "num local mais discreto". A resposta pronta de recusa foi justificada com as dificuldades que a apresentação traria para a continuada contribuição financeira que Câmara Municipal presta ao festival. Ana Borralho e João Galante, que contavam apresentar mistermissmissmister a 31 de Março e 01 de Abril, acrescentam na nota enviada terem sido alvo de uma censura reacionária, que lembra os tempos em que "eram os políticos que decidiam as necessidades culturais e aquilo que não se devia ver".

Não é a primeira vez que Jean Lebeau se vê a braços com decisões políticas a interferirem com a sua programação. Em 2002, a programação do teatro que dirigia na altura em Nice, foi alvo de contestação (leia-se acusação de elitismo) pela força política vencedora, a UMP, o partido do Presidente da República, Jacques Chirac. No mesmo comunicado, a dupla de criadores lamenta que tal situação se passe num país como a França, "visto como um caso exemplar no desenvolvimento cultural".

4 comentários:

Anabela Rocha disse...

A censura sofrida é política e é apenas mais um exemplo de como as actividades culturais, se se querem livres, não podem estar dependentes de financiamentos político-partidários, devendo sim apostar em formas de gestão sustentável dos eventos.
Na eventualidade de tal não ser de forma alguma possível deve-se assumir com frontalidade as limitações e censuras daí provenientes, e o público, cultural e político, ajuizará.

Anónimo disse...

A febre anti-cartoons de Maomé é mais contagiosa que a gripe das aves. Agora até já com nudezes embirram... Cada vez mais me sinto dinamarquês.

Anónimo disse...

Quem é que os manda ver a França «como um caso exemplar no desenvolvimento cultural»? Aliás, isso existe?

Anónimo disse...

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