[publicado hoje no PUBLICO e cedido pelo autor para reprodução]
O enunciado de intenções de Carlos Fragateiro é simplesmente sinistro, uma tentativa de dirigismo que é um dos mais graves atentados à cultura e às liberdades no Portugal democrático Está o primeiro-ministro disposto a permitir, à sua revelia, esta afronta à herança cultural europeia e à liberdade criativa? Mas mais: meus caros concidadãos, autores, intérpretes, agentes culturais, este é um momento decisivo de mobilização.
1 - Gostava que não tivesse passado de um pesadelo e supor que a notícia lida bem cedo na madrugada de sexta-feira no PÚBLICO de que Carlos Fragateiro iria ser o novo director do Teatro Nacional Dona Maria II tinha sido um pesadelo com velhos fantasmas. Mas é mesmo verdade, um acto de metodologia inadmissível e de uma gravidade inaudita - uma tentativa escabrosa de dirigismo cultural, que não só vem pôr directamente em xeque o próprio primeiro-ministro, como mostra o inesperado retorno dos mais nauseabundos fantasmas de um Portugal culturalmente de costas voltadas para a Europa.
2 - Quando da apresentação do programa do governo tive o cuidado de o analisar. Salientando as virtualidades de um programa estruturado, "o que é suficientemente raro para não ser assinalado", sublinhei as questões políticas: "Não houve qualquer indicação nem nos enunciados de Sócrates nem no seu preenchimento do cargo de uma presença da Cultura entre as suas atenções, nem mesmo do atendimento às muitas virtualidades do próprio programa. Considerando a equipa Isabel Pires de Lima/Mário Vieira de Carvalho o que surpreende são as similitudes: ambos militantes do PC até bem tarde, ao fim da União Soviética, ambos queirosianos, ambos universitários que têm estado sobretudo ligado a questões de educação mais do que propriamente às dinâmicas culturais recentes (…). O que importa ter presente é que as capacidades dos ora governantes se avaliarão em concreto e sobretudo naquilo a que estão comprometidos, o programa do governo. Mas a que estão eles comprometidos e que está solidariamente o governo, o primeiro-ministro desde logo."
Enquanto a equipa da Cultura tem andado ao longo destes 10 meses em errática navegação, que no caso de Pires de Lima chega ao mais absoluto desconhecimento do estado em que se encontram os organismos do seu ministério, o próprio primeiro-ministro surpreendeu-nos, dando mostras de um interesse que se traduziu em passos não só muito positivos como mesmo estruturantes, e indicativos de uma filosofia de acção tendente a associar à acção pública a "iniciativa privada", "sociedade civil" ou "iniciativas autónomas dos cidadãos" como se queira chamar: deu contributos decisivos para a Fundação da Casa da Música, resolução do imbróglio da Colecção Berardo e desbloqueamento da situação do Centro Cultural de Belém.
Pelo caminho, a ministra da Cultura deu duas entrevistas reveladoras do seu assustador grau de impreparação, ao "Jornal de Notícias" de 26/11 e ao "Expresso" de 23/12. Para não repisar mais questões, assinalo apenas que na primeira Pires de Lima mostrou desconhecer que no tocante à Casa da Música o primeiro-ministro não interveio apenas no fim, o que diz muito, e no tocante à outra viu-se imediatamente desautorizada pelo mesmo PM no respeitante à colecção Berardo. Do mesmo modo, ao contrário do que era o entendimento da equipa da Cultura, que considerava desastrosa a situação no CCB mas aguardava pelo fim do mandato de Fraústo da Silva daqui a um ano, este foi afastado.
Um ponto mais: nessas entrevistas, Pires de Lima inaugurou um insólito estilo de criticar publicamente a gestão de organismos do seu ministério, sem no entanto falar com os responsáveis, como em primeiro lugar lhe compete. Na entrevista ao "Expresso" a direcção do Dona Maria estava entre os visados.
3 - Carlos Fragateiro vem dirigindo o Trindade, teatro do Inatel, o organismo sucessor da FNAT salazarista. Sem prejuízo de relevos pontuais que também assinalei, mesmo quando céptico dos resultados concretos, a sua linha de actuação não se adequa às exigências de um teatro público. O populismo e a concepção rasteira de que a "arte" é "divulgação" foram os traços distintivos. Acontece que esta concepção de "divulgação para as massas" tem afinal ainda muitos adeptos e uma considerável genealogia político-cultural.
4 - Há 24 anos atrás travava eu uma dura batalha contra o que designei de "Aliança FNAT/PCP" que tomou o poder no São Carlos quando da AD, nomeando director o antigo responsável da "ópera do Trindade", da ópera portuguesa da FNAT, Serra Formigal. E uma das pessoas com que argumentei foi Mário Vieira de Carvalho, então ainda comunista, na altura na RDA, defensor de um tipo de concepção de "ópera para o povo" que não partilho, antes pelo contrário. Verifico agora que neste momento em se ergue de novo um discurso da "portugalidade" ressurge uma aliança ex-FNAT/ex-PCP, já que permanecem os quadros conceptuais.
5 - Há alguma razão para neste momento demitir a direcção do Dona Maria? Nenhuma. Mais: um secretário de Estado que até à hora quase final era defensor de manter Fraústo da Silva é agora o autor deste golpe. E deste modo, o que contradiz ele? O programa do governo, nem mais: "Avançaremos, também, para formas de recrutamento e actividade das respectivas direcções artísticas [dos teatros nacionais] que as tornem menos dependentes da lógica de nomeação governamental directa e mais distintas das funções de administração". E assim coloca em xeque o responsável último, o primeiro-ministro.
O Dona Maria tem uma estrutura aberrante: um teatro nacional que é uma sociedade anónima. Isso determina condicionalismos de gestão, que pela necessidade de equilíbrio financeiro determinam também limites de acção. Em vez de, como lhe competia, mudar o quadro institucional, a tutela desrespeita o compromisso público e político do governo e opta pela nomeação governamental directa. Até quando, Senhor Primeiro-Ministro, permanecerá tal desprezo e irresponsabilidade à sua revelia e não obstante comprometendo-o?
6 - O enunciado de intenções de Carlos Fragateiro é simplesmente sinistro, uma tentativa de dirigismo que é um dos mais graves atentados à cultura e às liberdades no Portugal democrático. Do teatro nacional são banidos Euripides, Shakespeare, Racine, Strindberg, Tchekov, Brecht, Pinter, etc., para se inventar uma dramaturgia portuguesa adaptando/"popularizando" outros materiais. No Trindade, Fragateiro "inventou" como dramaturgo Diogo Freitas do Amaral; quiçá teremos agora "A Ceia do Cardeal" de Joaquim Pina de Moura.
Mas mais: ele não esconde que a partir do Nacional o seu intuito é ocupar a rede dos teatros públicos. Depois da tentativa de dirigismo pedante e "modernaça" de Cunha e Silva temos agora a tentativa de dirigismo "popularucha" de Fragateiro. Está o primeiro-ministro do Portugal democrático e membro da União Europeia disposto a permitir, à sua revelia, esta violação de todos os princípios, esta afronta à herança cultural europeia e à liberdade criativa?
7 - Mas mais: meus caros concidadãos, autores, intérpretes, agentes culturais, este é um momento decisivo de mobilização. Não se trata de defender alguém em particular, mas de uma questão de princípio. Esta é a hora em que se verá se existe ou não o potencial de uma "comunidade artística". Não se venham discutir regulamentos e subsídios se não houver capacidade de dizer não a uma tão escabrosa tentativa de dirigismo - Carlos Fragateiro não pode entrar na Casa de Garrett!
N.b.:divisão em paragrafos, para facilitar a leitura e negrito da minha responsabilidade
13 comentários:
Bravo.
amet
pois, e o que fazer, então?
Vigilia em frente ao Teatro D. Maria, hoje, domingo, a partir das 20h. tragam velas. Isto é uma aberração. uma mercearia pirosa no Teatro Nacional?!
Caro Augusto,
bravo,
totalmente perceptible (sic).
Onde é que vamos parar?...
O Fragateiro??????????
O potencial da "comunidade artística" tem que aparecer na rua, e também tem que actuar com lógica.
Não podemos continuar a criticar, manifestar,fazer baixo-assinados e depois ir a entregar um dossier de candidatura ao IA. Não faz sentido.
tal como não faz sentido dizer o que diz e depois ficar anonimo.
também não faz sentido questionar o anónimo em um blog.
O meu comentário é uma vontade de sermos honestos e de lutar contra uma política em que não interessam os artistas, nem os novos criadores, nem o futuro da cultura em Portugal. Lutar e que nos levem à sério.
depende do tipo de dossier de candidatura, do projecto que lá vai dentro e da maneira como depois se faz uso do apoio... senhor anónimo, fique atento àquilo que os criadores indignados irão produzir durante o ano de 2006. vai ter muuuuuitas surpresas!
Espero que tenham limpo a cera que deixaram no chão, que isto de artistas é muito bonito, mas eu é que bato o coiro a limpar a sujeira que vocês fazem!
Maria albertina
faxineira da Câmara
ainda a recibos verdes...por causa disso é que vocês podiam vigilar...
Ao longo de varios anos sentei-me em muitas salas de direcção de teatros...não para os dirigir, mas para apresentar e discutir projectos. O Srº Carlos Fragateiro é o unico director que realmente gere a sua casa como uma mercearia, tenta fazer render alguma fruta meio podre a metade do preço e até gratuitamente alguma da sua própria produção. "tenho aqui um rapaz que seria optimo para "este" papel" Referia-se a um actor de novela amigo seu chamado Pedro Gorgia, que promovia cerveja na altura e aparecia diariamente numa telenovela da tvi. Pois ou o "pequeno" actor saia barato ou Fragateiro devia-lhe favores. Quanto à sua própria produção estamos aqui a falar de sua filha que ele insistiu para que fosse colocada no elenco. (Nenhum deles com formação especifica de actor)Ora isto leva-me aos tempos em que me sentava noutras direcções, nessa altura o teatro amador, onde a minha licenciatura não existia e até a vizinha entrava nas peças por falta de escolha. Este senhor de teatro não entende...a sua mente matematica apenas ve como rentabilizar produto em fim de prazo e pagar favores. Carlos fragateiro-Diogo Freitas do Amaral-Governo PS-Carlos Fragateiro-Diogo Freitas do Amaral.The show must go on.
O Lagarto não percebia nada de Teatro. O Lagarto rima, débil rima, com Teatro, não metia filha, mas prima, e a prima da prima nunca era prima dona, só prima, lagarta pois, mas o réptil nem era decorador, era um cenógrafo sem cena para ser encenador. Ao Lagarto muitas osgas, alguns sardões, vieram prestar corte, uma alegria: velas e lágrimas de crocodilo, ao Lagarto, na vigília do d. Maria. Se o Fragateiro é melhor? Tudo melhor que um Lagarto, muito embuste com o nosso pouco dinheiro. O Teatro é de espavento: doirados e lustres, um rabo com muito vento...
Sobe à cena. Prove lá. Este País é uma farsa, retrato de pobre Teatro.
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