Critica a Satirotic, de Luis Castro/KARNART
por Eduardo Pitta
Se nunca ouviu falar da KARNART, está a tempo. Fundada por Luís Castro em 2001, a associação tem como objecto a criação artística, plástica, performativa e audiovisual, centrada no conceito de Perfinst. Momento de grande visibilidade foi a sua passagem pelo Teatro Nacional, onde montaram Equerma, leitura de imagens e entrosamentos que estabelece uma simbiose dinâmica entre Lorca e Camus. Quem viu, sabe do que falo. Neste momento, o grupo tem em cena dois espectáculos: Satirotic, a partir de textos eróticos e satíticos de vários autores portugueses; e A Dificuldade em se Exprimir, do argentino Copi (Raúl Damonte). Em ambos, o vigor do registo queer abre os textos respectivos a múltiplas possibilidades de fruição.
Interessa-me Satirotic. Uma sucessão de quadros, ou instalações críticas, tomando Botto, Junqueiro, Bocage, Eugénio, Almada, Cesariny, e outros, como narradores autodiegéticos. Tudo se passa e tudo acontece no décor frio da Escola de Medicina Veterinária de Lisboa. A escada (íngreme como um escadote) que permite o acesso às salas ocupa o espaço outrora reservado ao içamento dos animais. Numa das bancadas para necropsia, o serviço de chá é a nota dissonante. André Amálio faz as honras com um fumegante Rooibos vanille. Cenografia, como tal, praticamente omissa. Decerto não por acaso, a ficha técnica refere «instalação do espaço». Quando menos esperam, os espectadores vêem-se nos braços dos actores travestidos: a mim calhou-me Luís Castro. Um dos temas de Richard Rogers para The Sound of Music — com a letra de Oscar Hammerstein convenientemente adaptada ao happening — serve de entreacto ao discurso dos poetas.
De sala em sala, por mármores, gaiolas e tulhas de sangradura, ouvimos Quando o Intestino de Augusto Gil, Balofas Carnes de Botto, um excerto d’A Cena do Ódio de Almada, O Bispo de Beja de Homem-Pessoa, o Soneto XIII de Bocage, Resposta da Quinteira de António Maria Eusébio, Metempsicose de Antero, a Epístola VI de Bocage (série Cartas de Olinda a Alzira), a Fábula de Eugénio, o revolvente A Torre de Babel ou A Porra do Soriano de Junqueiro, Nunca te foram ao cu de Botto, uma cena d’O Doido de Junqueiro, António Botto de Francisco Eugénio dos Santos Tavares, Corpo Visível de Cesariny e, a fechar, Hermaphrodita de Eugénio de Castro. Fio condutor, a Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica, publicada em 1966 por Natália Correia.
Digamos que a arquitectura do espaço «penaliza» umas performances em detrimento de outras. Todo o patchwork narrativo apresenta dificuldades, mas André Amálio, Luís Caboco, Luís Castro e Ricardo Cruz estão à altura do desafio. Particularmente felizes as «leituras» de Homem-Pessoa, Eugénio, o segundo Botto e Cesariny. Descontada a irreverente originalidade do espaço, uma mais valia nada despicienda, Satirotic talvez pudesse e devesse deslocalizar-se para onde muito mais gente o visse. Convenhamos que dez espectadores por sessão (o espaço permitirá, no limite, catorze) é ambição modesta para quem merece outra ressonância.
Nota: Texto escrito a convite d'O Melhor Anjo. Titulo, edição e links da minha responsabilidade. Este texto sera publicado amanhã no blog daLiteratura (TBC)
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