Visita ao Serviço Educativo da Galeria Zé dos Bois
Um Solo, de Tiago Guedes. Foto: Xana Bandola
Para André Gonzaga, responsável pelo Serviço Educativo da Galeria Zé dos Bois (ZDB), em Lisboa, trata-se, sobretudo, de contribuir para “eliminar o efeito de estranheza” que a arte contemporânea provoca em alguns públicos. Por isso, o projecto que a ZDB desenvolve há cerca de um ano, com o agrupamento de escolas da zona Baixa-Chiado, que vai da Sé ao Marquês de Pombal, é considerado um investimento a longo prazo. Mas também uma forma de pensar o relacionamento que os equipamentos culturais devem ter com a envolvente. Cada exposição patente é objecto de visitas dos alunos, onde “o que se mostra é um trampolim para os problemas que trazem”. Mais do que uma visita, a ZDB quer que as escolas estejam presentes em cada uma das actividades.
Conhecida por apresentar uma programação alternativa, dificilmente se conceberia que a ZDB desenvolvesse um programa vocacionado para o jovem público. Especialmente um que se relacionasse com algumas das propostas que albergam no edifício da Rua da Barroca. E, de facto, mesmo para os responsáveis pelo Serviço Educativo, a contextualização das propostas, de modo a servirem um público menos experimentado, é um “exercício de criatividade”. O objectivo, diz, é “dar ferramentas que possam permitir o adquirir de hábitos de consumo de cultura contemporânea”. Interessa-lhes trabalhar, particularmente, com grupos do 1º e 2º ciclo (entre os 6 e os 12 anos), uma vez que são estes os mais disponíveis para “se deixarem ir”.
André Gonzaga cita a coordenadora do Serviço Educativo do Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, Susana Gomes da Silva: “nós mostramos, mas são eles que mandam”. Três vezes por semana (segundas, terças e quartas) e duas vezes por dia (manhã e tarde), as portas da Galeria Zé dos Bois abrem-se, gratuitamente, a grupos de curiosos e agitados alunos, que tenham vontade de perceber “como é que objectos do quotidiano são observados pelo olho do artista”. O facto de ser gratuito permite criar liberdades de escolha que depois têm resultados surpreendentemente positivos. Depois de um primeiro mês de arranque mais difícil, a Galeria Zé dos Bois já não tem mãos a medir aos pedidos de participação nas cerca de seis actividades previstas por ano.
E, por vezes, isso torna-se um problema. A exposição temporária que a galeria acolhe neste momento, Os Cús que falam, de António Rego, não se adequava aos públicos para os quais o Serviço Educativo trabalha. Por isso, Natxo Checa, responsável pelo programa de artes visuais, por via da sugestão de Marta Furtado, programadora das artes performativas, optaram por, pela primeira vez, convidar um criador da área das artes performativas, para apresentar um trabalho já existente. A escolha recaiu no coreógrafo Tiago Guedes e no seu primeiro trabalho, Um Solo, que se repete até ao fim do mês de Outubro, e que, curiosamente, havia estreado na ZDB, em 2002, no âmbito dos Encontros Imediatos do Festival Danças na Cidade (actual Alkantara). Escreve a ZDB no seu programa que a escolha “partiu de uma vontade em estabelecer uma fasquia de qualidade e exigência em relação ao trabalho e aos processos pelos quais os criadores contemporâneos se orientam”.
O facto de recorrerem a um criador exterior à ZBD, obrigou também a um maior exercício de imaginação já que, não dispondo de acervo, como os serviços educativos do Centro Cultural de Belém (dirigido por Madalena Vitorino) ou o da Gulbenkian, têm que recorrer a estratégias que possam motivar os alunos a participar.
Não há em Portugal uma verdadeira tradição de espectáculos de dança para um público infanto-juvenil, como acontece em Bélgica, França ou Montrèal, onde o próximo Festival Internacional Coups de Thèâtre, em Novembro de 2006, será em grande parte dedicado à dança para um público infanto-juvenil. Aparte de experiências no CEM – Centro em Movimento, ou com grupos amadores que eventualmente resultam em espectáculos (como é o caso da proposta de Clara Andermatt, que integra jovens de Olhão, no âmbito da Faro 2005 – Capital Nacional da Cultura), o mais relevante registo de um trabalho feito por um coreógrafo nacional é Casio Tone, e 'sequela' SubTone, de Sílvia Real, que, não tendo sido pensado para um público infanto-juvenil, encontrou neste uma recepção entusiasta.
Não é a primeira vez que Tiago Guedes trabalha para este segmento de público, já antes o tinha feito para o Centro Cultural de Belém, e Um Solo não foi exactamente concebido para um público infanto-juvenil. O criador também não acredita que o espectáculo visto por esse público se permita a uma recepção mais abrangente. Ou seja “é um espectáculo narrativo, e isso é entendido por todos. Há é coisas que passam na peça que podem apelar mais aos miúdos”, diz o coreógrafo depois de ter feito o espectáculo para a Escola de S. José, situada na Rua do Telhal, ao qual se seguiu uma conversa.
O que não significa que noções como solidão, alheamento e distância, não sejam legíveis. O “território interior” de que a crítica de dança Irene Filiberti fala no texto que escreveu para o programa dos espectáculos de Tiago Guedes (edição REAL 2005), continua a existir. Tal como a relação próxima com a arquitectura e a definição-confronto de território privado/espaço público. E, há até miúdos que conseguem perceber que aquele rapaz em cena é um auto-retrato do performer. Mas, diz Guedes, “há coisas mais subterrâneas, que, por vezes, nem o próprio público adulto entende”. Segundo o criador, não houve, por isso, uma adaptação, ou adequação do espectáculo ao público para o qual se dirigia. “A única coisa que alterei foi a substituição de um recorte num dos adereços. Onde antes havia um pénis, agora há um raio. Não quis ferir susceptibilidades”, diz Tiago Guedes.
Para André Gonzaga, o trabalho que é desenvolvido com os alunos das escolas, parte muito de um “desarmar dos pré-conceitos” com que possam chegar. Fala ainda de como é preciso apelar a um confronto entre o vivo e o não vivo. Proceder a comparações e explicar o que são os lápis e os pincéis de hoje em dia. “Se o Van Gogh usava pincéis, hoje há quem use DVD’s para pintar”. Por isso mesmo, antes de cada sessão de Um Solo, há uma conversa em torno da criação contemporânea e das novas formas de comunicar. O responsável passa vídeos de criadores nacionais, como João Garcia Miguel, Rosa Almeida, Sancho Silva ou Nuno Costa, querendo saber coisas ‘simples’ como ‘o que é verdadeiro e falso no cinema’.
Para os miúdos que participam, estes encontros são, muitas vezes, primeiros contactos com realidades que desconheciam, mas nem por isso tão distantes. E o trabalho do Serviço Educativo da ZDB é precisamente potenciar o facto de muito deles ainda “não terem medo de ver”. Para que, mais tarde, não demorem cinco minutos a ver uma exposição, como o fazem alguns adultos. Ou, melhor ainda, possam dizer que o que estão a ver lhes faz lembrar algo que descobriram há anos atrás.
2 comentários:
E já agora, para quando um serviço educativo para adultos? Também era de louvar (e eu que sou contra serviços educativos, principalmente os infantis)....hihih
Amet
parabéns tiago pelo teu trabalho no blog, pelo artigo e por fazer visível uma das vertentes invisíveis da ZDB. natxo.
Enviar um comentário