domingo, maio 29, 2005

Comparações

Pode A Guerra das Estrelas estar para as últimas gerações do século XX como Em busca do tempo perdido esteve para gerações de aspirantes a saudosistas melancólicos durante quase todo o mesmo século?

Na verdade ambas as propostas começam com uma famosa frase. No caso da obra de Proust: "Longtemps je me suis coucher de bonne heure". No caso dos filmes de George Lucas: "A long time ago, in a far, far galaxy...". Ambos são inícios que marcaram os tempos e atravessaram gerações. Não há quem os não saiba e neles não deposite todo um manancial de expectativas. Expectativas essas que serão desenvolvidas e doseadas conforme a envolvência nas propostas.

Ao mesmo tempo, tanto o(s) livro(s) de Proust como o(s) filme(s) de Lucas encerra(m) em si mesmo(s) um conjunto de informações que são, também, reflexo dos tempos. Ou seja, são trabalhos que se prestam a um confundir de técnicas, práticas, registos, movimentos e atitudes que accionam no leitor/espectador a possibilidade de se identificar não só com uma personagem, mas também com uma hipótese de reconhecimento.

Se no caso de Em busca...estamos presos ao olhar de Marcel e à forma como olha o mundo, podendo ser confundida obra e autor numa personagem que tem tanto de ficcional quanto ficção é aquilo que queremos retirar do mundo e construir um próprio, no conjunto de filmes (e pela forma como se tornou um fenómeno que se ultrapassa em si mesmo, por exemplo, através dos sub-produtos criados) podemos optar pelo olhar de uma só personagem, mas sabendo que somos atraídos sempre para a mesma: Darth Vader.

É claro que podemos considerar (e até por vezes assumir, como é o caso dos três ultimos filmes apresentados) que A Guerra das Estrelas não tem uma dimensão filosófica como a obra de Proust. Mas talvez isso não seja mais do que o resultado de um trabalho desenvolvido por Lucas ciente da responsabilidade do espectador criar a sua própria história.

Até porque na origem dos filmes está a vontade em recuperar géneros e não tanto encerrar toda uma teoria. Procura da parte de quem vê uma identificação que não se centre num olhar unipessoal e muito menos coerente. É uma obra toda ela consciente de ser uma manta de retalhos, feita para o agrado de plateias vastas, logo, de sensibilidades diferentes. Daí se explicar as paixões que desenvolve.

Também Em busca... é um trabalho de paixão. De uma paixão presa a uma resistência. Não tanto pela dimensão (volumosa) da obra, mas por essa vontade de moldar a um só olhar toda uma filosofia de vida. Em Em busca... não há espaço para outros comportamentos, antes uma tentativa de normalização. Em A Guerra das Estrelas aposta-se numa dimensão de confronto para mostrar que nem todos somos iguais. E que uns acabam por perder. Em Em busca... ninguém perde. Também porque podem todos ser lidos como personagens da imaginação de Marcel, o protagonista/autor. Ou seja, em A Guerra das Estrelas a normalização vêm por necessidade de procurar um lugar de pertença. Em Em busca... a pertença é condição centralizadora de Marcel. Todo ele é pertença. Em si mesmo e fora de si.

Outro aspecto que as aproxima é o facto de à partida já se poder prever o fim. Considere-se, no entanto, que essa dimensão de finitude só toma verdadeiro sentido em A Guerra das Estrelas com a apresentação da trilogia estreada entre 1999-2005. Neste caso concreto, sabemos que caminhamos para a peça final de um puzzle. No caso de Em busca... sabemos que regressamos ao início. Uma e outra procuram as suas origens, mas fazem-no em movimentos contrários e a partir de bases diferentes. Tal como os espectadores. Na obra de Proust sabem tratar-se de um crescendo, nos filmes de Lucas fazem-no por anulação: um filme é uma resposta ao anterior e uma pergunta ao próximo.

É verdade que uma é mais interior (Em busca...) e outra mais exterior (A Guerra das Estrelas), mas ambas as obras se obrigam a um jogo de expectativa e crença que depende de uma vontade do espectador em confiar nas personagens. Ou nos autores. Afinal são estes as figuras-sombra dos dois projectos.

Mas a questão de início merece uma resposta. Acredito que se possa apresentar a coisa dessa forma. De facto o fascínio de A Guerra das Estrelas tem tanto a ver com uma vontade de evasão da realidade (daí poderem ser lidos os filmes como metáforas tanto da guerra do Vietname ou do Golfo e Iraque), como em Em busca... Marcel tem vontade de ordenar o caos à sua volta. Tratam-se, no fundo, de leituras que no seu tempo de criação permitem uma observação sobre o que os rodeia, sem que isso signifique uma redundância, mas antes um ultrapassar de gerações.

Caso contrário a desilusão surgiria quando se envelhece. E tanto num caso como noutro, a idade torna-se um posto e o prazer aprimora-se.

Eu devo confessar que me aborreci de morte em todos os episódios de A Guerra das Estrelas e não ultrapassei o 2º volume de Em busca do tempo perdido. Cansa-me tanta narrativa inconsequente e tão "certinha". Mas sei que há quem delire. Talvez seja essa a verdadeira dimensão das obras: serem plurais e permitirem-se a uma amplitude de reacções.

Mas também que sei eu? Eu até gosto mais do Alien e do Tom Ripley...

2 comentários:

Anónimo disse...

Li o post todo e valeu a pena, sobretudo pela provocação/ surpresa que nos aguarda no penúltimo parágrafo. Eu li os volumes todos da "Recherche" e fi-lo com gosto. Já a saga das Estrelas não conseguiu agarrar-me. Nem sei ao certo quantos episódios vi...Tal como tu prefiro o Aliens :-)

Anónimo disse...

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