sábado, outubro 09, 2004

poética do quotidiano (XXIV)

Confesso que ontem me esqueci completamente da condecoração diária. E por isso hoje vai um maravilhoso, a ver se compensa. É a inevitável Xobineski Patrusca:

Anja Nielsen, a Ana Silva: O exemplo prático de como estas coisas dos penfriends acaba por perder a piada rapidamente

Anja Nielsen é um nome bastante comum na Dinamarca. Não tão comum quanto Sprovola Kystashereichetze ou Simone Frystekassawhiskasfaksen, mas comum. Arranjei uma correspondente dinamarquesa chamada Anja Nielsen, quando tinha 8 anos. Escrevia-lhe coisas como «olá tudo bem? Os meus animais preferidos são os gatos! E os teus??» e ela respondia «Olá, eu também gosto muito de gatos, tenho um que se chama Fritszdankeabritthyssenaufraiztapartawerbungmittwoch, que em dinamarquês quer dizer Fofinho» .

Durante alguns anos trocamos cartas com fotografias e desenhos. Como nenhuma de nós dominava mais do que o inglês básico, os temas de conversa eram limitados. Mas dava para perceber que aquela menina, apesar de viver tão longe, tinha as mesmas preocupações e gostos que eu. Um exemplo de como, passo a passo, era construída a grande família europeia.

O primeiro problema surge num Natal em que ela me envia um postal da República Dominicana onde está «a passar férias com o namorado Daniel e alguns amigos».

Ela tinha 11 anos e estava a passar as férias com o namorado. Eu também tinha 11 anos mas estava sentada numa mesa com travessas de bacalhau e hortaliça. Algo de errado se passava. «Além disso» pensei «ainda não consegui deixar de gaguejar quando estou à frente de um rapaz».

Alguns meses depois, a Anja confessa-me que deu «uma queca com o Daniel. Finalmente. Já estava farta de ser virgem.» Ora, quem tem 11 anos e mora na Maia não sabe o que é isso da queca. E virgem só conhece a Virgem Maria - imagem que é instantaneamente relacionada com as festas da Nossa Senhora do Bom Despacho e as suas roulottes de farturas. Não sabia se estava farta de ser virgem, mas estava certamente farta de virgens. Por isso, resolvi visitar o meu amiguinho Luisinho.

O Luisinho era a coisa mais próxima que eu tinha de um namorado, do mesmo modo que as nossas partidas de macaca eram a actividade mais aproximada de um lascivo e húmido beijo.

«Luisinho, queres dar uma queca?» - perguntei timidamente. «O que é isso? Dá para dois? Deixa-me acabar este nível do Super Mario World e já jogamos isso» respondeu visivelmente animado. Inevitavelmente, e depois de analisar atentamente o episódio «A Reprodução» da colecção Era Uma Vez a Vida Humana acabei por perceber do que é que a Anja Nielsen falava. Ela tinha-se deitado numa cama a dar beijinhos ao Daniel. Com um velho voyeur de barbas ao lado da cama a explicar o funcionamento biológico do sistema reprodutor. Que nojo.

Deixei de me corresponder com ela. Mas no ano seguinte pedi uma Barbie Scandinavian Slut pelo Natal.

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