sábado, outubro 23, 2004

O estranho caso do Teatro Nacional

O jornal Expresso traz hoje, numa pequena notícia no suplemento Actual, uma frase reveladora da relação Estado/Cultura.

Diz uma fonte ligada ao Teatro Nacional D. Maria II que "é uma responsabilidade muito grande a gestão de um teatro nacional, que sempre tem dado prejuízo ao Estado".

A curiosa afirmação (adorava saber quem a proferiu) recusa toda uma história de desrespeito por quem alguma vez tentou fazer alguma coisa pelo mastodôntico edifício do Rossio. Basta pensar que até 1974 o teatro viveu de companhias adjudicatárias que, não obstante as dificuldades de concessão, procuraram fazer cumprir os contratos, encravadas entre a responsabilidade de fazerem cumprir uma ideia não definida de teatro nacional (Almeida Garrett definiu uma que foi desvirtuada pela ideia de um Estado que não se reconhecia num espaço não controlado) e a necessidade de estabelecer com o público uma relação de boa-dependência. Ou seja, uma que permitisse construir uma corrente de público que "aguentasse" espectáculos dados ao psicologismo e outros textos de fácil digestão. Basta olhar para o historial dramatúrgico para se perceber qual foi a escolha.

A única companhia que sustentou a duras expensas esta realidade durante diversas circunstâncias foi a dirigida por Amélia Rey Colaço e Robles Monteiro que entrou no teatro em 1929 e por lá ficou até 1974. O "lá" incluiu a passagem por outros teatros, como o Avenida, o Capitólio e o Trindade, depois do incêndio de 1964. Já que o teatro ardeu, mas as responsavbilidades da companhia face ao Estado, nem por isso. E agora que se cumprem 75 anos sobre essa 1ª adjudicação (nada vantajosa e definidora de uma ausência de política para o TNDMII), nada foi pensado.

Depois da revolução, o teatro deixou de ser concessionado e já se sabe o resto da história. Há 30 anos que se fala de uma lei orgânica, as administrações sucedem-se sem resultados aparentes e sem estreitamento de laços entre o Teatro Nacional e as novas companhias independentes. Insiste-se numa relação desequilibrada e nada atenta às novas tendências que aposta antes numa programação esporádica e temente dos preconceitos existentes.

O facto de estarmos em Novembro e não se saber o que vai ser a programação do 1º teatro do país (houve tempos em que o Nacional se chamou "O Normal", ou seja, aquele que servia de exemplo) é caso único na Europa e impede perceber com que condições se pode fazer teatro em Portugal. Os concursos pluridisciplinares sem data de anúncio à vista, os pagamentos dos pontuais atrasados, o cancelamento de festivais por falta de apoios são outros exemplos da ausência de uma política cultural, no que isso representa de demissão de responsabilidades na formação de públicos ou acompanhamento da realidade (a história tem vários casos em que o teatro e as artes performativas foram essenciais para a evolução da sociedade - pense-se só nas festividades pagãs). Já para não falar da necessidade de se protegerem as "coisas" que, mesmo vivendo numa economia de mercado, não se sustentam por si só.

A afirmação desta fonte do Teatro Nacional (nitidamente alguém ligado ao poder) revela, sobretudo, uma vontade de extirpar toda a forma de cultura que permita tornar Portugal menos dependente de sub-produtos que proliferam nas mentes de todos. Parece um exagero. Imaginem um país sem cultura, sem teatro, sem cinema, sem música, sem artes plásticas. Acham que é muito diferente do que se está a passar?

Não admira que cada vez mais se procurem alternativas no estrangeiro.


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