2046 ou o amor preso na máquina do tempo

O novo filme de Wong Kar-Wai não fala de outra coisa que não seja um sequestro emocional (o tema continua a insurgir-se e eu a evitar falar dele). Depois de In the mood for love, esta viagem não é mais do que um novo estado de espírito. Continua-se disponível para amar, mas agora é mais "à espera de te poder amar".

É como se assistissemos à radical e violenta viagem que é uma ressaca amorosa e a dificuldade em viver com os cacos de uma relação, constantemente a chocalharem no bolso das calças.

Por isso, 2046 entende-se melhor como revisitação individual do que como parábola universal. Ou seja, Chow torna-se real (contrariando o princípio das histórias que terminam e das quais não se sabe o que sucede) e abre-nos a porta para o mais profundo do seu ser: aquele que continua a tentar perceber o que se passou (o que lhe passou/ultrapassou).

Cada uma das mulheres com quem se envolve não é outra senão uma projecção de Lu Zhieng. Talvez sejam mesmo fantasmas, objectos da sua imaginação. Os mesmos gestos, as mesmas roupas, o mesmo anel, o mesmo andar. Mas nunca a mesma paixão. Porque essa ainda está por acabar.

"O amor surge na altura certa", diz Chow (maravilhoso e ambiguamente volátil Tony Leung). Para logo depois afirmar que se não quisermos ouvir uma resposta contrário ao que esperamos é porque as histórias não têm que acabar. E não acabam, de facto.

2046 começa por ser apresentado como um local onde as pessoas vão para serem felizes. Dizem que ninguém quer regressar. A verdade é que 2046 não é mais do que o tempo suspenso de uma relação que falhou. O tempo suspenso num momento bom. Não se evoluiu em 2046. E é isso que Chow percebe. Por isso é que no final vai sozinho no carro (tal como ia em Happy Together, mais do que em In the mood for love). Vai sozinho para ficar sozinho. Até ao dia em que puder voltar a amar.