O fenómeno não é novo nem original. A blogosfera (análise a ter em conta hoje no DN: 1 e 2) veio devolver a capacidade de opinião ao cidadão comum, coisa que até meados da década de 30 do século XX acontecia através da publicação de documentos da mais diversa índole e pelas figuras mais opostas. São imensos os exemplos de livros de desagravo, elogio, apoio e homenagem. São também alguns os exemplos de livros de amor cujo objectivo não era mais do que dar conta do sentimento que unia duas pessoas.
A literatura (e a poesia em particular) sempre foi uma forma de expressão maior desse sentimento, exemplo disso são as cartas de Fernando Pessoa a Ofélia Queiroz ou Camilo Castelo Branco e Ana Plácido (ou mesmo Rilke e Lou-Andreas Salomé) e normalmente as cartas de amor servem os próprios e os outros servem-se delas para justificar algo. Vem isto a propósito de considerações avulsas acerca da capacidade dos blogs poderem funcionar como diário íntimo partilhado (primeiro pelo par, depois pelos leitores) e ainda pela acesa discussão acerca da promiscuidade gay.
A blogaysfera tem alguns exemplos que não deixam de causar surpresa ante a fragilidade dos mesmos (no que isso encerra de passado comum e não divisível). Qualquer blog, como espaço íntimo que é presta-se à partilha de pequenos prazeres (este blog, por exemplo, tem espalhado nos seus posts coisas íntimas, algumas delas cifradas e outras explícitas), mas a escrita em comum pode trazer alguns dissabores, sobretudo se temos, à partida, uma má-relação com a exposição dos objectos que compõe os nossos dias.
Dos casos que aqui se apresentam, dois são mais ou menos inócuos e outro pode ser uma dor de cabeça se um dia a coisa correr mal (porque a coisa tende sempre a correr mal. Não é ser fatalista, é saber jogar com o tempo). No caso do casal gay a coisa funciona a voz única, até mesmo nos comentários espalhados pelos outros blogs, o que, por vezes, leva a admitir a hipótese de que a opinião vem por consenso e não por maioria de razão. Ou seja, não existem duas vozes, antes uma que funciona como afirmação definitiva do casal. Qualquer outra posição não existe. Ou seja, dois tornam-se um. Há quem não ache isso prudente.
Quanto ao recente bichos do mato a coisa funciona mais de um para o outro. Alguém escreve para alguém, partilha experiências, dá conta do quotidiano. Até ver pode tratar-se de uma espécie de extensão do dia, como se fosse possível dizer mais sem usar do tempo precioso a dois. A dificuldade pode passar pela opção de partilha ser privada ou pública e ainda poder o espaço ser utilizado para dar conta de faltas de atenção. A culatra pode, enfim, devolver o tiro.
Já o exemplo amo-te é bastante mais perigoso no que isso representa de troca efectiva e apresentação pública de uma relação. Há, por um lado, a leitura de um objecto de amor, não só a dois mas para o mundo. Será possível, se assim o entenderem o Hélio e o Ricardo, dar conta de um sentimento crescente e até, quem sabe, entrarem numa disputa interessante de excesso de desejo e partilha. Quanto mais apaixonados estiverem, maior será a necessidade de o exporem ao mundo. A coisa tem, obviamente, um lado negro. Um pode começar a postar mais que o outro e isso caminhar para um desequilíbrio em nada útil. Mais, em última instância, os que assistem ao jogo serão capazes de formular uma opinião e optar por um dos jogadores. Não sei se será útil.
A vantagem dos blogs em relação ao segredo das cartas de amor privadas é que obrigam à provocação do receptor e exigem dele uma resposta. Se o mundo já sabe, como é que tu ainda não disseste nada? Logo, a relação tende a ser colocada num plano de eterno confronto positivo. Não há muitas que o aguentem. Poucos são os que acreditam que as relações se ganham todos os dias. Se a coisa não correr bem, o blog ficará como marca indelével de um período partilhado aos olhos de todos e servirá para esse julgamento já referido. As vantagens sabem-nas os concorrentes. Mas há que estar ciente de que as regras podem mudar e o amor não é eterno.
1 comentário:
Obrigado pelo comentário.
É engraçado como as pessoas podem achar uma coisa completamente diferente da realidade.
;-)
Vê a minha resposta no meu Blog.
E mais uma vez obrigado por passares por lá!
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