sábado, junho 05, 2004

Fado, história de uma classificação

Esta ideia peregrina de se querer candidatar o fado a Património Mundial da Humanidade é um sinal dos tempos. Ou seja, para o povo pão e circo é o que se pretende. Se se candidatasse a recolha que Michael Giacometti realizou em meados do século passado pelo país inteiro, talvez se percebesse a ideia de resgate de um património cultural significativo e identificador de uma relação afectiva/efectiva com a terra (telúrica e geograficamente falando).

No caso do fado, que, é importante não esquecer, foi imposto como canção nacional pelo regime autoritário, houve um acompanhamento de um certo estado de espírito que se hoje se renova e transmuta não o faz num sentido diferente. Ou seja acompanha e define os tempos que correm. Que sentido fará uma protecção deste género se não se corre o risco de desaparecimento. É certo que, como apontou o arquitecto Henrique Dias da Gama, fado e fadistas não são uma e a mesma coisa. Mas, ainda assim, se alguma função os novos fadistas têm é a de, precisamente, fazerem do fado um património em permanente mutação.O fado não precisa ser protegido, antes precisa de espaço para continuar a ser criado. Se assim fosse - ou seja, se se começassem a proteger todas as canções nacionais, tínhamos o samba, o tango, as mornas, o blues, as canções napolitanas, os coros budistas, etc, etc, etc - não se falaria em resgate da memória, mas antes em formolização de géneros musicais. A memória que precisa ser resgatada é a a de quem deveria zelar pela preservação dos objectos que contam a história do fado. Mas esses estão dependentes da contribuição generalizada de todos os que, neste momento, estão a comprar a colecção do PÚBLICO.

Como é que se pode acreditar que uma vitória nesta candidatura venha ajudar à preservação do fado se, por exemplo, no Museu da Rádio, querem mandar para a sucata os velhos transmissores, exemplares únicos em toda a Europa; se no Museu dos Coches não há ar condicionado; se o Museu de Arte Popular não termina as obras; se o IPPAR não protege os monumentos; se o Côa não tem solução; se Sintra e Tomar estão a ser diária e constatemente violadas; se a Baixa de Lisboa está a degradar-se... (a lista é imensa).

Aliás, se há lição a tomar neste caso é que esta candidatura deve redonda e absolutamente falhar, a bem da necessidade de protecção de outros patrimónios nacionais.

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