Em nome do pai, do filho e do espírito santo
recepção de La Mala Educácion, de Pedro Almodóvar
De uma maneira geral, o tom é de surpresa e espanto. Da parte de Almodóvar parece a construção de um espelho temático que reflecte, sem grandes demoras, um outro filme negro do realizador, La ley del deseo, sendo que, depois do lirismo de Hable con ella poderia facilmente classificar-se como um passo atrás.
Mas é exactamente nesse passo atrás que Almodóvar surpreende e inverte o nosso ponto de vista. Preparado como se de um jogo de cartas se tratasse, La Mala Educacion (título que indicia uma posição sobre, quando esta, no meu entender, não existe), o filme carece de uma concentração emocional da parte do espectador que não deve querer tudo ver, tudo perceber. A história que nos é contada (que, ironia das ironias, é bem mais de série B do que seria de esperar) não deve ter leitura imediata para que o espectador não caia na fácil armadilha de querer perceber o que nos está a ser dito. No entanto, este é um filme exposto. Exposto, não só porque há uma vontade de querer descobrir o que é relidade e o que é ficção (atenção sobretudo ao que fica no ecrão como imagem final), mas porque não precisa de mostrar tudo para acertar no alvo. O que parece um paradoxo é, afinal, uma forma nada subtil de afirmação. As verdades, para Almodóvar, aguentam-se até quebrarem por si. Só depois se tornam mentiras. E mesmo essas são esperançosas.
La Mala Educacion é, assim, não um conto de fadas negro, ou uma parábola, nem tão pouco uma metáfora. É antes um exercício de estilo sobre a importância da memória e da necesidade de lisura nas construções do pensamento. A história que vive dentro da história que vive dentro da história é, afinal, só uma. Realidade ou ficção não se sabe. Mas suficientemente crua para parecer verdadeira. E ainda assim...
Se o filme recorda esse outro, também ele agreste, La ley del deseo, recorda, também, numa primeira fase, um outro de Louis Malle, Au Revoir les Enfants, em que o tempo que se quer de inocência é abruptamente arrancado. E o que começa como uma história de pura vingança, acaba numa melancolia amorosa radical. Como os amantes de La ley del deseo que morrem queimados, também estes amantes - que nunca o foram, pelo menos não como os outros - arderam, passe o cliché, numa outra fogueira bem mais dolorosa que é a da memória e da não consumação.
Filme sem mulheres (e mesmo com homens sem referências femininas - Sara Montiel não é mulher, é deusa), e sem personagens positivas (todos eles estão carregados de um azedo que incomoda e que só muito depois do fim do filme é que e começa a perceber), La Mala Educacion é, ainda, uma obra plena de sensualidade que não e coaduna com a clasificação gay. É uma sensualidade masculina, cheia de duplos sentidos que não existem e de uma violência opresiva, de quem controla só por medo de ser controlado. Eles não se tocam, agarram-se; eles não falam, dizem coisas a quererem ser outras sem saberem o que querem. Um filme de sufoco e transpiração, quente como só o desconhecimento pode ser.
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