A última fronteira
Diz o Luis Miguel Nava a dada altura: "A boca/ onde a memória/ vem levantar fervura,/ contrai-se, há quem a sinta/ de súbito emergir da trasparência. (...)". Vem isto a propósito do que diz o Bruno acerca do beijo. E entendo eu daquilo que diz o Bruno a alturas tantas, que melhor se define o beijo quantos mais lábios tivermos tocado. Sim, é verdade. Essa será uma verdade tanto maior quanto maior fosse a nossa vontade de encontrarmos o beijo perfeito. Mas nem sempre o beijo perfeito vem acompanhado do resto da perfeição.
O peso dos lábios alheios nos nossos perpetua-se, mesmo que conheçamos novos pesos. Recordaremos sempre os gestos iniciáticos que levaram ao toque primeiro... com uns foram céleres, com outros bruscos ou ainda podem ter sido curtos, ao lado, abertos, molhados... mas o primeiro beijo é o primeiro beijo. Mais depressa se vai ao resto do corpo que do primeiro olhar ao primeiro beijo. E é dessa memória que me parece o Bruno se refere, sempre por interposta pessoa, como faz perversamente, de cada vez que fala das relações humanas.
Diz quem beija que se sabe se os lábios nossos conheceram outros terceiros, porque se perderão todas as pontes; as coincidências; os pontos de contacto. E depois é o fim...
Mas tal como o primeiro, também o último beijo se recorda com força. Sobretudo porque é muito mais ambíguo que o primeiro. Depois do último beijo já se sabe que não se seguirão telefonemas, nem mãos a percorrerem os corpos nem palavras inaudíveis. Depois do último beijo (que, por vezes, só se torna último depois de o ser) já só sobra a memória. Nem sequer a saudade. Porque essa saudade é a do primeiro. O momento perfeito. Termina o Nava dizendo: "O mar, há quem o faça/ subir no encalço dela: é quando ao engolirmo-la a saliva/ nos vai para a memória/ que todo o nosso coração fica à mercê das águas."
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