A inocência perdida
Poder-se-ia ignorar Alberto João Jardim, não fossem os factos por demais evidentes. Escamotear a ideia de que a pedofilia não é um negócio na Madeira é tão falacioso quanto acreditar-se que este tipo de comportamente é resultado dos tempos.
Recordo-me de ver na Madeira, em Câmara de Lobos, os homens a embebedarem-se, deprimidos porque as embarcações não podiam sair para o mar, e a tentarem não se agredir. Bebidas fortíssimas que misturavam concentrado de ananás com cachaça e gelado, cerveja com martini, copos de três feitos com uísque... depois iam arrastados até casa. Aos miúdos via-os também, deitados na amurada do porto, à espera que os turistas deitassem moedas para as manchas de óleo e a oferecerem-se para mostrar a ilha. Nunca me apercebi de qualquer intenção de protecção daqueles miúdos, à mercê de redes pedófilas. Filhos de gente que nada tem, que nunca puderam ter, que nunca lhes deram mais alguma coisa para além de umas migalhas comunitárias a fingirem-se progresso.
Ao mesmo tempo que o aeroporto crescia e os cofres do casino se enchiam dos dinheiros das avultadas fortunas de idosos europeus, o governo regional fechava os olhos à pior das misérias: aquela que existe à nossa frente e não a queremos ver. Do alto do miradouro pode-se observar o assédio cerrado que estes miúdos fazem, inocentes que não o são. São antes o resultado de falta de apoios na educação, desinteresse no investimento cultural, capacidade de utilização de recursos, resignação e muita falta de coragem.
A miséria da pedofilia na Madeira pouco tem a ver com o que se passa na Casa Pia. Se, no continente houve incúria do Estado, na Madeira é toda uma cultura que subsiste e que se alimenta de esquemas primários e em nada dignificantes. Comportamento pré-eleitoral à parte, nunca foi por causa disso que o "Fidelizado" João Jardim deixou de comandar o destino de uma ilha que já foi mais. Nunca foi é sinónimo de coragem.
A verdade é que a Madeira é só um lugar com mais visibilidade. Num país que se descobriu pedófilo, quantas Madeiras existirão por aí? Achar-se que não é grave é tanto mais criminoso quanto a continuação desta situação.
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