domingo, janeiro 25, 2004

Für Jane

Eu não sou do tempo dela, nem sequer fruto das suas canções. Vim muito mais tarde, longe que estava dos romantismos chiques e revolucionários que a ela se associam. Quando nasci, e muito tempo depois disso, Jane Birkin e Serge Gainsbourg já se tinham conhecido, separado, amado e discutido. Não sabia quem ela era antes de ouvir, à laia de consumo revivalista e unilateral, Je t'aime... moi non plus. Mas Jane Birkin existia para mim como existe um imenso passado de referências e referentes. Ela era mais uma. Ainda que a pudesse isolar e perceber a sua dimensão. Hoje ela cantou para mim. Sim, eu sei que cantou para mim e para mais uns quantos. Todos quantos aqueles que couberam na Culturgest. Mas quero acreditar que cantou para mim, especialmente para mim. Ela disse-o e agradeceu-o.

No conforto da Culturgest não se sentaram os políticos, intelectuais, professores, advogados, bancários, apresentadores, escritores, artistas, arquitectos ou empregados de balcão. No conforto da Culturgest sentaram-se aqueles que se quiseram perder na avenida da memória, mas fazê-lo sem saudosismo; e sentaram-se, também, os outros, aqueles para quem ela era uma voz, um corpo, uma imagem... mas ainda fragmentada. Jane Birkin, para mim e para os outros que não a viveram no tempo que ela hoje recordou, fará parte do resto das nossas memórias felizes.

Os amantes, aqueles a quem ela dedicou as canções, voltaram a namorar e esqueceram os outros problemas todos. Assim, como se tivesse sempre estado ali, Jane Birkin veio recordar-lhes que "o tempo do amor" - essa metáfora encontrada para definir os tempos de outrora - está, deverá estar, sempre presente.

Não importa se a voz ou o corpo ou a música não são coincidentes porque, afinal, o amor é perfeito. Quando, ao fim de 20 canções, se soletrava La Javanaise, um enorme calor invadiu a sala - e o calor tinha estado lá sempre - e de luzes acesas, olhámo-nos espantados e dissémos: olha, tu tambérm estás apaixonado como eu. E que bom que isso foi.

Hoje, quando me deitar, serei tanto o miúdo que ouvia as músicas às escondidas e tinha um poster dela colado na parede, aquele que se masturbava a enrolar um cigarro antes de adormecer, e o homem feito, de vida constituída e atravessada que sentiu uma ligeira erecção ao se lembrar de ontem, da juventude, do tempo em que ia ser capaz, sozinho, de mudar o mundo. No meio, estará o verdadeiro eu, o que não a conhecia e que se apaixonou. Jane... comment te dire adieu?

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