Como uma rasgão na paisagem
Jorge Silva Melo, mentor dos Artistas Unidos, foi o distinguido pelo Instituto das Artes/Ministério da Cultura para o prémio Almada 2003 na área de Teatro.
Distinguido pelo seu percurso e pelo trabalho desenvolvido, Silva Melo é uma figura que suscita os mais diversos sentimentos. São por demais conhecidas as suas posições quanto à relação do Estado com os Artostas e aquilo que são os deveres de uns e os direitos de outros. São, também, de conhecimento público, as suas queixas quanto à falta de condições de trabalho desde que foi despejado d' A Capital, no Bairro Alto, em Lisboa. Silva Melo está agora no Teatro Taborda, de propriedade municipal, onde tem desenvolvido o seu trabalho. Recebeu um apoio bianual de 90 mil contos, renovado em 2002 e passível de sustentabilidade para este novo concurso. Ganhou uma querela judicial com a Câmara Municipal de Lisboa, que lhe rendeu 25 mil contos. Concorre também ao ICAM para fazer filmes. Tem um apoio agora para fazer um documentário sobre e com Glícinia Quartim.
Jorge Silva Melo recusou o prémio Almada.
Porque não aceita receber prémios para os quais não concorre. Porque ao Estado "não compete ao Estado distinguir uns em detrimento de outros". Porque "o artista é por natureza um traidor ao poder instituído". Porque "O artista desenvolve a sua actividade contra o Estado e, por isso, deve ser reconhecido por associações profissionais".
Na forma como eu entendo, um artista que assim se define não concorre a apoios do Estado, não trabalha sobre a sua protecção, não quer saber do Estado para nada. A meu ver, um artista assim deve ser auto-suficiente ou procurar outros apoios que não estatais. Ou Jorge Silva Melo se define ou não se contradiz. Quando Luís Miguel Cintra recebeu o prémio Almada, em 2001 pelo seu trabalho em CIMBELINO, de Shakespeare, estavamos em plena era Sasportes à frente do Ministério da Cultura. Os artistas estavam em polvorosa, estava tudo em causa. E consciente de que o ouviriam, Luís Miguel Cintra aceitou o prémio, recebeu-o das mãos do então Ministro e criticou o que lhe parecia mais correcto. A seguir entregou o dinheiro à Cornucópia para ajudar a pagar o maravilhoso livro antológico da companhia. Eduardo Lourenço, em artigo na Visão (As sandálias do Pescador, Visão, Março 2001) criticou-o mas percebeu. Silva Melo não percebeu, com certeza, o alcance do gesto.
Outro exemplo é Lúcia Sigalho, que quando recebeu o Prémio Acarte no início da década de 90, disse que os prémios de nada lhe serviam se para criar tivesse que passar fome. E fez um leilão onde vendeu a distinção.
Jorge Silva Melo, na sua pose de angry artist, de maneira nenhuma se torna credível. Melhor faria se utilizasse a distinção para promover um discurso sério sobre a relação Estado / Artistas. A ideia de que não se pode prevaricar com o prato do poder é tão vazia de senso quanto achar que a distinção, por parte do Estado, é sempre em detrimento de outros. Em todo o lado, em qualquer país, o Estado atribuí prémios. A recusa, ou é coerente com o percurso ou é uma graça para se fazer notar. Até para recusar prémios é preciso saber-se fâze-lo.
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