segunda-feira, novembro 03, 2003

A constituição, versão direita

Bem sei que são ainda propostas e que, sobretudo, ainda vão ser sujeitas a acordos inter-partidários. Mas não deixa de ser preocupante que algumas das propostas do Partido Popular ponham em causa direitos fundamentais das pessoas e, sobretudo, atentem contra coisas que fazem parte da criação de um bem estar permanente. Da lista principal, publicada pelo PÚBLICO, na edição de sábado, destaco, assustado, o seguinte:

-Inviolabilidade da vida humana desde o momento da concepção;

o aborto não pode ser encarado como um método contraceptivo, mas devem ser criadas condições para que a clandestinidade acabe e as mulheres não acabem por morrer com a operação. É uma questão social e não política. A voz das mulheres devia fazer-se ouvir aqui.

-O Estado deve impedir as concentrações de empresas de comunicação social “que afectem a livre expressão e confronto das diversas correntes de opinião”;

A nomeação de Fernando de Lima fará já parte deste processo? E em que medida é que a nomeação de Luís Delgado para a Lusa, a destruição da TSF, o fim da RTP 2 se encontram aqui?

-O concurso público deixa de ser regra geral para a entrada na função pública;
-O direito à greve “não pode prejudicar o direito ao trabalho daqueles que o pretendem exercer”;
-Criação das associações de empregadores “para defesa dos direitos das entidades empregadoras”;
-Eliminação dos artigos referentes à participação dos trabalhadores na gestão das empresas;


Parece-me que a clivagem entre entidade patronal e funcionários se acentuará a partir do momento em que, aos trabalhadores for condicionada a hipótese de porem em causa as acções dos patrões. Em vez de se proporcionarem condições para que a produtividade aumente, a partir da partilha de responsabilidades, pretende-se que o autismo seja cada vez maior dentro das empresas. E a ideia de que uma equipa constituída somente por escolhas directas dos superiores irá ajudar a um melhor funcionamento das empresas parece-me falacioso. Uma nova espécie de corporativismo negativo poderá começar a fazer-se notar.

-Acaba o direito à habitação;
-Acaba com o princípio da gratuidade progressiva de todos os graus de ensino e com o princípio de gestão democrática das escolas;


Eu parece-me que ouvi o Presidente da República dizer que a prioridade deveria ir para o ensino básico e secundário, mas pode ser ilusão minha. A educação, como a saúde, não é uma fonte de riquezas, mas antes um investimento. E essa é a obrigação do Estado, a de formar novos e melhores cidadãos. O futuro não é amanhã.
E em relação à habitação, faz parte da construção de pessoas mais capazes, menos desprotegidas e confiantes ter-se uma casa. Com as devidas reformas, recusar o direito à habitação é quase tão primário quanto a ideia de “cada um faça por si”

-Acaba com a proibição de referendos simultâneos com eleições.

E quando a lei não se ajusta ao que se pretende, mude-se a lei. Eu já achava que Portugal deveria fazer força na União Europeia para impedir que as eleições ocorressem em pleno Europeu de Futebol, agora com o referendo, não se imagina que espécie de campanha se possa fazer.

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