Frederico Lourenço
A ler, com muita atenção e deleite, a maravilhosa conversa de Frederico Lourenço com Ana Marques Gastão, hoje no Diário de Notícias.
Frederico Lourenço é autor, entre outros, da trilogia Pode um imenso desejo/o curso das estrelas/à beira do mundo, editada pela Cotovia e da premiada tradução do poema de Homero, Odisseia. Editou recentemente um livro de desabafos amorosos, Amar não acaba.
Alguns excertos:
(...)
Mas o amor é um caminho árduo...
Que tem de ser descoberto, devemos tentar abrir janelas como se o amor fosse o dia e nós estivéssemos às escuras.
(...)
Amar não acaba, mas o amor pode acabar. O amor, sobretudo o amor/paixão, não insere em si a perda?
Na minha experiência pessoal, nunca deixei de gostar das pessoas que foram importantes para mim. As relações foram evoluindo num sentido diferente. Tudo na vida está sujeito ao estigma da caducidade, só amar não acaba, não é? O amor dir-se-ia esse tapete mágico da imortalidade, ideia que pode aparecer em Platão, como uma força especial que nos pode levar do mundo sensível para o mundo inteligível. O caminho da transcendência, do divino, está nele também.
E há ou não o Grande Amor na acepção de Safo (como experiência cíclica, repetiva), o tal engano que a poesia greco-romana explorou?
Isso dava um romance. É difícil distinguir o que os gregos querem dizer, porque em grego eros quer dizer amor e sexo. Os autores gregos quando falam do amor e da paixão não se estão a referir à descoberta da pessoa certa. Fascinou-me no Banquete a ideia da procura da cara-metade por não se tratar de uma ideia profundamente grega que encontre eco no resto da literatura. Pode até ser interpretada como tendo sido apresentada por Platão a título paródico. Há quem considere o discurso de Aristófanes cómico e não será por acaso que o terá posto na boca de um comediógrafo. Mas é mais a partir dessa concepção, a da procura da outra metade, da associação da felicidade à plenitude quando encontramos a pessoa certa que amor e felicidade se juntam no ideário grego. No fundo, é só aí, como digo em Grécia Revisitada, porque no próprio Banquete Platão oscila entre as duas ideias do amor a acepção pré-romântica de Aristófanes e a do interesse sexual por outra pessoa.
(...)
Existe uma ligação à transcendência que atravessa a sua obra, mas associada a uma desintegração da religião na qual foi educado, ou não?
Sim e não. Raramente vou à missa, mas passo muitas vezes por igrejas onde fico a rezar. Tenho, de facto, uma vivência da religião que está desadequada da convenção, da hierarquia, porque a minha sexualidade está em conflito com a maneira católica de a entender. O catolicismo tem muito a progredir nesse campo, embora seja mais aberto do que o cristianismo ortodoxo. Este último vê a homossexualidade como algo satânico. Condenação imediata ao inferno!
Viveu esse conflito, esse choque entre religião e sexo?
Ah, sim, eu adoraria ser católico praticante, ir à missa senão todos os dias, pelo menos uma vez por semana. A maior parte das pessoas que sai da Igreja é por falta de fé. Deixa de se acreditar. Nunca passei por isso. Vou envelhecendo e a fé vai-se consolidando.
Talvez por isso lhe tenha interessado explorar no romance a espiritualidade das relações interpessoais?
Isso interessa-me muito, as emoções, tentar cartografar como as pessoas sentem. Esse é o meu lado de psicólogo, de psicanalista que procura dar, ao mesmo tempo, uma dimensão espiritual.
Se Pausânias, no seu discurso, inclui o tema do amor celeste, exclusivamente homossexual, e considerando Aristófanes a heterossexualidade e a homossexualidade como igualmente naturais, não é só a questão da sexualidade que está em causa?
Claro que não, mas estamos a falar de sexo e de género. Pausânias, ao dizer que há um amor elevado e outro rasteiro, exclui a heterossexualidade dessa dimensão.
Mas essa não é a sua conclusão?
Não, a minha não, mas Platão tenta dizer que a prática verdadeira da filosofia é incompatível com a vida convencional. Todos os seres humanos são grávidos, uns do corpo, os que têm filhos, e os da alma, os homossexuais, que não constituem descendência. Diz depois que da gravidez da alma nascem a filosofia, os grandes poemas... Há uma tentativa de ver as coisas a preto e branco, uma falha a meu ver.
Muito misógina...
Sem dúvida. A cultura grega era misógina.
Sobre Frederico Lourenço, neste blog
Carta de amor a Frederico Lourenço, no All of Me
Entrevista de Frederico Lourenço na TSF
A ler, com muita atenção e deleite, a maravilhosa conversa de Frederico Lourenço com Ana Marques Gastão, hoje no Diário de Notícias.
Frederico Lourenço é autor, entre outros, da trilogia Pode um imenso desejo/o curso das estrelas/à beira do mundo, editada pela Cotovia e da premiada tradução do poema de Homero, Odisseia. Editou recentemente um livro de desabafos amorosos, Amar não acaba.
Alguns excertos:
(...)
Mas o amor é um caminho árduo...
Que tem de ser descoberto, devemos tentar abrir janelas como se o amor fosse o dia e nós estivéssemos às escuras.
(...)
Amar não acaba, mas o amor pode acabar. O amor, sobretudo o amor/paixão, não insere em si a perda?
Na minha experiência pessoal, nunca deixei de gostar das pessoas que foram importantes para mim. As relações foram evoluindo num sentido diferente. Tudo na vida está sujeito ao estigma da caducidade, só amar não acaba, não é? O amor dir-se-ia esse tapete mágico da imortalidade, ideia que pode aparecer em Platão, como uma força especial que nos pode levar do mundo sensível para o mundo inteligível. O caminho da transcendência, do divino, está nele também.
E há ou não o Grande Amor na acepção de Safo (como experiência cíclica, repetiva), o tal engano que a poesia greco-romana explorou?
Isso dava um romance. É difícil distinguir o que os gregos querem dizer, porque em grego eros quer dizer amor e sexo. Os autores gregos quando falam do amor e da paixão não se estão a referir à descoberta da pessoa certa. Fascinou-me no Banquete a ideia da procura da cara-metade por não se tratar de uma ideia profundamente grega que encontre eco no resto da literatura. Pode até ser interpretada como tendo sido apresentada por Platão a título paródico. Há quem considere o discurso de Aristófanes cómico e não será por acaso que o terá posto na boca de um comediógrafo. Mas é mais a partir dessa concepção, a da procura da outra metade, da associação da felicidade à plenitude quando encontramos a pessoa certa que amor e felicidade se juntam no ideário grego. No fundo, é só aí, como digo em Grécia Revisitada, porque no próprio Banquete Platão oscila entre as duas ideias do amor a acepção pré-romântica de Aristófanes e a do interesse sexual por outra pessoa.
(...)
Existe uma ligação à transcendência que atravessa a sua obra, mas associada a uma desintegração da religião na qual foi educado, ou não?
Sim e não. Raramente vou à missa, mas passo muitas vezes por igrejas onde fico a rezar. Tenho, de facto, uma vivência da religião que está desadequada da convenção, da hierarquia, porque a minha sexualidade está em conflito com a maneira católica de a entender. O catolicismo tem muito a progredir nesse campo, embora seja mais aberto do que o cristianismo ortodoxo. Este último vê a homossexualidade como algo satânico. Condenação imediata ao inferno!
Viveu esse conflito, esse choque entre religião e sexo?
Ah, sim, eu adoraria ser católico praticante, ir à missa senão todos os dias, pelo menos uma vez por semana. A maior parte das pessoas que sai da Igreja é por falta de fé. Deixa de se acreditar. Nunca passei por isso. Vou envelhecendo e a fé vai-se consolidando.
Talvez por isso lhe tenha interessado explorar no romance a espiritualidade das relações interpessoais?
Isso interessa-me muito, as emoções, tentar cartografar como as pessoas sentem. Esse é o meu lado de psicólogo, de psicanalista que procura dar, ao mesmo tempo, uma dimensão espiritual.
Se Pausânias, no seu discurso, inclui o tema do amor celeste, exclusivamente homossexual, e considerando Aristófanes a heterossexualidade e a homossexualidade como igualmente naturais, não é só a questão da sexualidade que está em causa?
Claro que não, mas estamos a falar de sexo e de género. Pausânias, ao dizer que há um amor elevado e outro rasteiro, exclui a heterossexualidade dessa dimensão.
Mas essa não é a sua conclusão?
Não, a minha não, mas Platão tenta dizer que a prática verdadeira da filosofia é incompatível com a vida convencional. Todos os seres humanos são grávidos, uns do corpo, os que têm filhos, e os da alma, os homossexuais, que não constituem descendência. Diz depois que da gravidez da alma nascem a filosofia, os grandes poemas... Há uma tentativa de ver as coisas a preto e branco, uma falha a meu ver.
Muito misógina...
Sem dúvida. A cultura grega era misógina.
Sobre Frederico Lourenço, neste blog
Carta de amor a Frederico Lourenço, no All of Me
Entrevista de Frederico Lourenço na TSF
coff coff
ResponderEliminar(sigh....)