sábado, fevereiro 17, 2007

Crítica de dança: Quatro Canções


Quatro canções
De Inês Jacques, Hélio Santos, Ana Mira e Luís Guerra
Ciclo Canto e Dança, Teatro Camões, 14 Fevereiro, 21h
Sala cheia

O complexo de Peter Pan


Em 1996 os coreógrafos Clara Andermatt, João Fiadeiro, Vera Mantero e Paulo Ribeiro juntaram-se no Ballet Gulbenkian para criar Quatro Árias de Ópera, ideia do director Jorge Salavisa. Vivia-se um período de franca afirmação da geração da Nova Dança Portuguesa, potenciado por um contexto particular onde factores políticos, programáticos, estéticos e económicos se conjugavam, a favor ou contra, mas de brado revolucionário. A história não se repete. O revolucionário passou a obrigatório e o entendimento dessa oportunidade modificou-se.

Num contexto onde são mais as vozes individuais apressadas em assinar trabalhos que as condições de apresentação, é relevante que na constituição do Teatro Camões enquanto casa da dança o seu programador, Mark Deputter, aposte na carta branca a quatro novos nomes da dança contemporânea. Apenas uma condição: o uso de uma canção. Responderam Inês Jacques (Falling Up, na foto), Hélio Santos (Cântico dos Cânticos), Ana Mira (Três Estudos para Shihtao) e Luís Guerra (Smells Like Teen Spirit). Peças desiguais na concepção, estética, técnica e fundamentação.

Inês Jacques volta a insistir na plasticidade da imagem, suspendendo-se, e ao músico Eduardo Raon, enquanto canta sobre quedas, amores e desejos. Acusa uma dificuldade em ultrapassar o cruzamento de referências e motivações, não permitindo que a delicadeza do seu trabalho vá para lá de uma competência evidente. Hélio Santos dá o palco à convidada Sara Tavares que, enquanto canta, é instigadora de um enleio amoroso entre ele e Sarah Dillen. Apostados numa subliminar narrativa, perdem a força do movimento em frases repisadas e insuficientes. Falha de uma boa ideia, pedia mais consistência nas interpretações.

Ana Mira está, nitidamente, fora de contexto. O que apresenta, linhas assentes em eixos corporais que se desenvolvem num gesticulado imaturo e pretensioso, aponta inconsistência na transposição de uma ideia clara, a relação com a palavra. Luís Guerra é o que mais longe chega na construção de um exercício desafiador. A mítica canção dos Nirvana, repetida quatro vezes, serve-lhe para propor diferentes olhares sobre a representação: a bailarina clássica (Vânia Vaz), a drag queen (Filipe Viegas), o artista contemporâneo, vulgo terrorista (Tânia Carvalho, Luís Guerra). Não falta o humor, irrisão, delírio, despeito, a vontade em provocar, de recusar o sentido. Mas numa velocidade improvisada e auto-fágica que os leva à exaustão, cedendo à dor física e à violência infligida. O naïf exercício de puro gozo torna-se metáfora real para a sofreguidão de uma geração.

É aqui que cabe a responsabilidade de quem programa, orientando, conduzindo, limitando mesmo. Proporcionar as condições não pode significar apenas abrir as portas, com prejuízo dos resultados não estarem à altura nem do desafio nem das expectativas. A mais valia destes encontros está na experimentação e não na finitude. Porque ninguém quer ficar eternamente preso ao complexo de Peter Pan.


[texto publicado ontem no jornal Público, com o título A bailarina, a drag queen e artista contemporâneo ao som de Smells Like a Teen Spirit. Fotografia: Lois Gray]

6 comentários:

  1. Os pseudo-artistas desse antro chamado bomba suicída ja fazem parte do teatro camões. parabéns mark!

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  2. os "jovens" da bomba já nao sao assim tao teens, tá na hora de amadurecerem artisticamente... além da maturidade em autopromoçao.

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  3. quem são esses?
    já ouvi falar mas não sei quem são.

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  4. parabens ao trabalho do luis guerra.
    quanto aos comentários, aos quais não pude deixar de ler, Portugal já é pequeno não o façam ainda mais pequeno e a inveja é algo muito feio e pouco gratificante.
    Fico com pena dos comentários não se centralizarem na noticia e na obra apresentada deste 4 artistas mas sim num mundo mesquinho e pouco claro.
    xana ferreira

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  5. "Smells like teen spirit" é um trabalho assinado por Luís Guerra que tanto quanto sei é um JOVEM coreógrafo e bastante promissor.É lamentavél que se utilize este tipo de espaço para "despejar" infelicidades alheias em vez de criticar seja positiva ou negativamente o trabalho dos artistas. Amadurecer é criticar e ASSINAR.
    mônica coteriano

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  6. Caríssimos anonymous,
    recomendo a leitura do Manifesto anti-"Lambe-Cús".
    http://guerraluis.blogspot.com/2007/03/manifesto-anti-lambe-cs.html
    Os meus cumprimentos,
    Luís Guerra

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