terça-feira, fevereiro 13, 2007

Berlim recebe exposição sobre os limites do cinema

Algures no meio
por Hugo Vieira da Silva

Beyond Cinema- The Art of projection
Films, Videos and installations from 1963 to 2005
Hamburger Bahnhof, Berlim
Até 25 Fevereiro 2007


In this era of changing perceptions we’re responsible for creating new options with which to communicate
Doug Aitken, 2000


Na segunda metade do século XX a história do vídeo e cinema experimental foi escrita pela cartilha modernista de Greenberg. Como noutras formas artísticas, uma historiografia “formal” tornou-se o conceito dominante. No entanto as questões introduzidas pela imagem interactiva e os seus antepassados cromossómicos, expanded cinema e cinema performativo, foram muitas vezes excluídas da maior parte dos argumentos teóricos que modelaram essa cronologia. Por outro lado, a história do cinema tradicional (aqui entendido como fora do contexto experimental) na sua clausura canónica, ignorou maioritariamente todas as externalidades marginais oriundas do campo das artes plásticas, que se insinuavam como de discursos de ruptura. Algo que se iniciou há muito tempo atrás: o futurismo, o Dada, a Bauhaus, ou mesmo as experiências do grupo Fluxus… .

As categorizações e linhagens, do designado cinema experimental, que se tornaram institucionais, foram utilizadas amplamente por curadores em actos celebratórios que serviram para caucionar uma ideia de libertação anti-narrativa “from the demands of narrative continuty”. Esta ideia encontra-se expressa nalguns textos dos estruturalistas/materialistas ou mesmo no livro de Peter Gidal, Theory and Definition of Structural/Materialistic Film (1989). Por outro lado enquanto os teóricos estavam preocupados com questões anti-narrativas, apareceram artistas pró e contra a narrativa, mas ambos, tendo-a sempre como referente. Verificável é o “apetite” de algum cinema contemporâneo, com genealogia narrativa, por algumas destas práticas experimentais: Suwa, Werrasekul, Ming-Liang, Lisandro Alonso, etc.

Tornou-se vulgar a apropriação das linguagens do cinema por parte artes-plásticas, como matéria reflexiva para um discurso de desconstrutivo. São estas possibilidades transgressoras multi-polares que me interessam. Trata-se de um processo de “des-corporização”, com alto risco. Nada é certo e seguro. Se descosemos as bainhas dos conceitos, os corpos podem expandir e disformar sem consequências previsíveis. Interessa-me fomentar não a ideia de território disciplinar, mas mais exactamente desordenar essas noções delimitadoras e investir numa possibilidade transgressora. Interessa verificar que as problemáticas imanentes às imagens foram caoticamente emergindo quer na zona oficialmente designada de experimental quer dentro do próprio cinema tradicional.

Em Berlim é possível, até 25 Fevereiro, rever alguns dos momentos mais interessantes do incessante processo de miscigenação e diluição das linguagens se bem que centrado na geneologia-artes plásticas. Essa enormidade turística que dá pelo nome de Hamburger Bahnof, símbolo do novo poder económico e cultural da cidade, deu corpo à mostra Beyond Cinema-The Art of projection onde, para lá de nomes mais ou menos sonantes se apresentaram Eija-Liisa Ahtila, Doug Aitken, Monica Bonvicini, Marcel Broothaers, Stan Douglas, Pierre Huyghe, John Massey, Pipilotti Rist, Barbara Rubin, Paul Sharits ou Diana Thater.

Seleccionando aqui as que mais me interessam, opto por Rodney Graham, de quem se mostrou um filme onde se convocam as questões do enquadramento e do espaço off, em Adjungierte Dislokationen, de Valie Export trabalha-se a questão do ponto-de- vista e As the Hammer Strikes, de Massey, é desmontagem narrativa sustentada numa instalação áudio e visual dividida em três canais. David Claerbout aborda a questão do tempo e da superficie do filme em Rocking Chair, e Dan Graham – a caminho de um cinema performativo? - mostra o momento em que o ponto-de-vista se confunde com o corpo.

Mas a colecção Flick, como a maioria das propostas programáticas centradas nos museus, ignora corporativamente todas as inquietações imagéticas de outro(s) cinema(s), contribuindo desta forma para uma velha ideia de disciplinar. Deixando de parte as questões curatoriais, algumas peças falam não só para além do cinema mas também para além do museu, e assumem um poder modificador do olhar importante; literalmente expandem-se.




Beyond Cinema- The Art of projection - Films, Videos and installations from 1963 to 2005
Works from the Friedrich Christian Flick Collection in Hamburger Bahnhof, from the Kramlich Collection and others
Comissários: Gabriele Knapstein e Joachim Jäger em colaboração com Stan Douglas e Christopher Eamon

Hugo Vieira da Silva é realizador de cinema. A sua primeira loga-metragem, Body Rice, estreou a 11 de Janeiro com o apoio do blog O Melhor Anjo e da revista OBSCENA.

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