A lei dos amantes (62)
Durante duas semanas perguntei quem ganhava o jogo no filme Closer. Depois de uma luta renhida entre Alice e Larry, Anna tomou a dianteira e destacou-se. Eis os resultados:
Alice (Natalie Portman) 24% 10 votos
Larry (Clive Owen) 24% 10 votos
Anna (Julia Roberts) 46% 19 votos
Dan (Jude Law) 5% 2 votos
41 votes total
Pedi ao meu amigo João Andrade Madeira, cinéfilo confesso e crente nas relações amorosas, para analisar os resultados. Eis o que ele quis pensar.
... E A REALIDADE NÃO É SUFICIENTE?
Estamos demasiado perto da artificialidade para perceber que a vida não é um filme. Levamos a peito os pastiches de sentimentos e de situações desenhados por argumentistas mais ou menos inspirados. Histórias contadas com alguma frieza de poseur, assumidas por nós com esse entusiasmo assustador de quem vive a realidade vicariamente, escamoteando e substituindo os nossos problemas, tão ou mais cruéis, seguramente muito mais crus, "sem banda-sonora e com má iluminação", como uma vez disse Miss Taylor.
Adentro-me já em Closer, estimável fita de Mike Nichols que traça as linhas fundamentais do enamoramento e as circunstâncias do seu inevitável fracasso, interseccionando e dissecando quatro personagens, num quadro de disfunção emocional. Se o discurso vos soa frio, vejam o filme, ou, pior, leiam a peça homónima de Patrick Marber. A obsessão pelo "outro" (não lhe chamaria desejo), inexistente e omnipresente, que tem forçosamente de constituir uma opção; a fobia da rejeição; a intensidade agravada das relações, proporcional à sua dispersão, incoerência e forçosa brevidade... Não nos aproximamos sequer de cenários de possível ou de improvável felicidade. O texto chama-se Closer porque o autor, naturalmente, pretendia que tal fosse interpretado como Further (ilacção minha).
Closer não é um retrato do desamor como doença crónica e consequência do hedonismo e da atracção fátua que a nossa vida regurgita sem perdão. Closer está-se nas tintas. Closer está demasiado perto do niilismo emocional. Essa é a razão, creio, pela qual Anna se revela a vencedora de um jogo sem intriga, no seu tenso compasso de espera, nos seus arranques e recuos, conforme a oportunidade, guiada por um conformismo dorido, sem se expor demasiado ao jogo - mas sem, no entanto, deixar de o jogar.
Todas as outras personagens ostentam vibrantemente o rótulo de "Mau Comportamento", mas Anna refugia-se no seu torpor ziguezagueante e regressa ao cais de partida enquanto Alice, Dan e Larry estarão ainda a deambular.
Anna ganha porque é previsível, porque perdeu o interesse, mesmo se, por vezes, é possível descortinar um lampejo de entusiasmo. Anna é um círculo assimétrico. Anna sou eu e são vocês. A vida deveria ser suficiente.
Esqueçam Closer. Já estamos demasiado perto de tanta coisa de que não deveríamos estar...
João Andrade Madeira (andrademadeira@yahoo.com)
Durante duas semanas perguntei quem ganhava o jogo no filme Closer. Depois de uma luta renhida entre Alice e Larry, Anna tomou a dianteira e destacou-se. Eis os resultados:
Alice (Natalie Portman) 24% 10 votos
Larry (Clive Owen) 24% 10 votos
Anna (Julia Roberts) 46% 19 votos
Dan (Jude Law) 5% 2 votos
41 votes total
Pedi ao meu amigo João Andrade Madeira, cinéfilo confesso e crente nas relações amorosas, para analisar os resultados. Eis o que ele quis pensar.
... E A REALIDADE NÃO É SUFICIENTE?
Estamos demasiado perto da artificialidade para perceber que a vida não é um filme. Levamos a peito os pastiches de sentimentos e de situações desenhados por argumentistas mais ou menos inspirados. Histórias contadas com alguma frieza de poseur, assumidas por nós com esse entusiasmo assustador de quem vive a realidade vicariamente, escamoteando e substituindo os nossos problemas, tão ou mais cruéis, seguramente muito mais crus, "sem banda-sonora e com má iluminação", como uma vez disse Miss Taylor.
Adentro-me já em Closer, estimável fita de Mike Nichols que traça as linhas fundamentais do enamoramento e as circunstâncias do seu inevitável fracasso, interseccionando e dissecando quatro personagens, num quadro de disfunção emocional. Se o discurso vos soa frio, vejam o filme, ou, pior, leiam a peça homónima de Patrick Marber. A obsessão pelo "outro" (não lhe chamaria desejo), inexistente e omnipresente, que tem forçosamente de constituir uma opção; a fobia da rejeição; a intensidade agravada das relações, proporcional à sua dispersão, incoerência e forçosa brevidade... Não nos aproximamos sequer de cenários de possível ou de improvável felicidade. O texto chama-se Closer porque o autor, naturalmente, pretendia que tal fosse interpretado como Further (ilacção minha).
Closer não é um retrato do desamor como doença crónica e consequência do hedonismo e da atracção fátua que a nossa vida regurgita sem perdão. Closer está-se nas tintas. Closer está demasiado perto do niilismo emocional. Essa é a razão, creio, pela qual Anna se revela a vencedora de um jogo sem intriga, no seu tenso compasso de espera, nos seus arranques e recuos, conforme a oportunidade, guiada por um conformismo dorido, sem se expor demasiado ao jogo - mas sem, no entanto, deixar de o jogar.
Todas as outras personagens ostentam vibrantemente o rótulo de "Mau Comportamento", mas Anna refugia-se no seu torpor ziguezagueante e regressa ao cais de partida enquanto Alice, Dan e Larry estarão ainda a deambular.
Anna ganha porque é previsível, porque perdeu o interesse, mesmo se, por vezes, é possível descortinar um lampejo de entusiasmo. Anna é um círculo assimétrico. Anna sou eu e são vocês. A vida deveria ser suficiente.
Esqueçam Closer. Já estamos demasiado perto de tanta coisa de que não deveríamos estar...
João Andrade Madeira (andrademadeira@yahoo.com)
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